Alicia García de Francisco
Torquay (Reino Unido), 27 mar (EFE).- "O Caso dos Dez Negrinhos" e a "Morte na Praia", dois dos romances mais famosos de Agatha Christie (1890-1976), poderiam ter um final diferente, como mostra um livro que analisa os 73 cadernos de rascunho da autora.
A complexa simplicidade dos romances de Christie é revelada através das dezenas de cadernos que a autora encheu com suas anotações, objeto de estudo do irlandês John Curran em "Agatha Christie's Secret Notebooks" ("Os cadernos secretos de Agatha Christie", em tradução livre), ainda não publicado em português.
Curran, especialista na obra de Agatha Christie, a escritora que mais vendeu livros no mundo - 2 bilhões de exemplares em 45 idiomas, segundo seu site oficial -, passou quatro anos analisando os rascunhos.
"Eu sabia da existência dos cadernos, mas nunca, nem em meus melhores sonhos, cheguei a pensar que acabaria lendo eles um dia e publicando um livro sobre eles", explicou Curran à Agência Efe em Torquay, cidade natal da escritora. Foi ali perto, na residência de verão dos Christie, que o especialista estudou os 73 cadernos conservados.
As anotações são "completamente caóticas". Às vezes a autora começava tratando de um livro e saltava para outro algumas páginas depois. E em alguns casos, ela retomava ideias inacabadas dez anos depois.
"No meio dos rascunhos, havia, por exemplo, listas de presentes", explica Curran. Segundo ele Christie era caótica e trabalhava ao mesmo tempo em várias histórias, o que lhe permitiu escrever 80 livros entre romances e relatos e uma dúzia de peças de teatro.
Com exceção de seis livros, todos os romances da escritora são abordados nos cadernos. O trabalho de Curran nos permite saber, por exemplo, que em "O Caso dos Dez Negrinhos" - o livro policial mais vendido de todos os tempos - a autora pensou, a princípio, em contar com oito personagens, depois 12 e finalmente os dez da história original.
E, segundo as anotações de Christie, qualquer um deles pode ser o assassino. No caso de "Os Cinco Porquinhos", desde o início a autora teve claro quem seriam os personagens, mas não quem seria a vítima ou o assassino. Já para "Morte na Praia" ela pensou em diversas alternativas para quem eram os assassinos e suas motivações.
O trabalho de Curran traz à tona uma série de detalhes que nos permitem conhecer a fundo o trabalho preparatório de uma escritora de tão grande destaque como Christie.
"A maioria dos leitores acham que ela começava a escrever os livros do começo ao fim e que em um mês já tinha uma romance pronto. Mas meu livro mostra a quantidade de trabalho que há por trás dessas histórias", explica Curran.
Christie "tinha ideias, mudava de opinião, voltava do final ao início, colocava um personagem como assassino e depois colocava outro. E às vezes parava tudo isso e começava de novo com uma ideia anterior, levando em conta cada possibilidade da trama".
Com este livro, o especialista acredita que os fãs de Christie terão uma ideia melhor de como ela realizou suas obras e de como elas são complexas.
"Muitos de seus livros foram construídos sobre premissas muito singelas. Alguém é assassinado, vítimas em ordem alfabética, alguém isola um grupo de pessoas em uma ilha e mata um por um".
Mas, segundo ele, "o fato de que pareçam tão simples para o leitor demonstra que há muito trabalho em sua criação". É a arte de uma autora que para Curran é "a melhor escritora de livros de detetives", um gênero que se caracteriza por um tipo de história na qual o leitor consegue as chaves para resolver o mistério.
"Ninguém nunca fez isso tão bem como Agatha Christie. Não considero que ela seja uma grande romancista de crimes, mas foi a melhor escritora de histórias de detetives da história".
Junto aos milhares de detalhes que encantarão os mais fanáticos, estão dois contos inéditos com Poirot como protagonista.
"A Captura de Cérbero" deveria ter sido publicado em 1947 dentro da série de contos conhecida como "Os trabalhos de Hércules", mas foi desprezado pela revista "The Strand". Segundo Curran, a revista o rejeitou provavelmente por tecer um retrato curioso de Adolph Hitler refletido em um personagem chamado Hertzlein.
É um relato que aborda uma transformação pacífica do ditador, muito diferente do segundo conto, "O Caso da Bola do Cão", um exemplo mais clássico do estilo de Christie, descoberto apenas em 2004.
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