sábado, 29 de maio de 2010

AS HORAS

POR ROSANA GELINSKI

“Encarar a vida de frente. Encarar sempre a vida de frente. E conhecê-la como ela é. Enfim conhecê-la. Amá-la pelo que ela é. E depois... Descartá-la. Sempre os anos entre nós. Sempre os anos... Sempre... O amor. Sempre... As horas.” (DALDRY, 2003)




Muito mais do que essa impressão das horas e dos anos esperam pelos espectadores do filme As Horas, de Stephen Daldry (2003). Inspirado no romance Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, o filme é uma adaptação do livro As Horas, de Michael Cunningham, e apresenta uma narrativa não linear. Assim como no romance de Woolf, o diretor optou pela consciência das personagens, que é uma das questões de maior destaque no filme. A forma como o diretor mostra o universo subjetivo das personagens aproxima-se muito da linguagem literária introspectiva de Virginia Woolf.
A subjetividade que é somente internalizada pelos leitores de Mrs. Dalloway é vivenciada pelos espectadores em As Horas. Desta forma, o filme ilustra, de forma convincente, como o fluxo de consciência ocorre, ao mostrar a recorrência de momentos que estão minuciosamente inseridos no cotidiano das personagens, três mulheres separadas pelo tempo, cujas vidas estão intimamente interligadas pela obra Mrs. Dalloway.
Além do fluxo de consciência, tanto a obra Mrs. Dalloway quanto o filme As Horas propiciam discutir temas ligados ao feminismo, a dicotomia vida/morte, loucura, tempo, guerra e outros.
Vale à pena conferir! E deixar se levar pelas imagens do filme de Daldry, que tem muito a revelar sobre a vida e obra de Virginia Woolf, e o que se esconde atrás do comportamento humano.

sábado, 22 de maio de 2010

O CINEMA ESPETÁCULO E O ANTI-FILME

POR FÁBIO AUGUSTO STEYER


Nos dois últimos dias, situações opostas moveram minha fome de cinema.
Ontem à tarde, no único multiplex aqui de Ponta Grossa, fui assistir ao blockbuster em 3D do momento: o remake de "Fúria de Titãs". Afinal, vivemos na época em que o sucesso de um filme depende da quantidade de cópias lançadas pela distribuidora!!!
O simples fato de ser refilmagem de uma obra de que gosto bastante já seria motivo de interesse. Mais a mitologia grega e estaria fora de questão deixar de assistir.
Um bom filme, mas nada além do original, que ainda é um tanto melhor. Mudaram um pouco a narrativa mitológica, mas isso é inerente à própria mitologia: a existência de várias versões da mesma história. O filme mais recente é até um pouco mais claro em algumas passagens, como a explicação que dá para a origem de Calibus. Os efeitos especiais são muito bons, mas não têm o mesmo impacto que tiveram na época os do filme original. Uma coisa bem legal é a homenagem que fizeram à corujinha Bubo, uma das personagens essenciais e memoráveis do primeiro filme. 
As decepções são a trilha sonora (muitíssimo melhor no filme da década de 1980) e a total inexistência de efeitos 3D!!! Parece incrível, mas o filme só foi lançado em 3D para atrair público. Não há um só efeito que justifique o ingresso caro de 3D. Portanto, fica aqui a dica: gaste menos grana e veja a versão convencional.
Bom, mas essa foi apenas a minha primeira experiência cinematográfica dos últimos dois dias. Foi a do "cinema espetáculo".
A outra foi "O Signo do Caos", derradeiro filme do "marginal" Rogério Sganzerla, exibido no projeto "Cinearte", no Teatro Ópera, também aqui em Ponta Grossa. Nesse verdadeiro "anti-filme", o falecido e consagrado diretor literalmente vomita a cultura brasileira goela abaixo de nós, meros espectadores acostumados a narrativas convencionais como "Fúria de Titãs". Não é filme para ser lançado em salas regulares de exibição comercial. É daqueles que espantam espectadores, que não agüentam ficar até o final do filme. Nunca leve uma garota, no primeiro encontro, a um filme de Sganzerla ou a um filme iraniano: ela vai largar você na hora... É sério!
Na verdade, a experiência cinematográfica de Sganzerla é esteticamente provocante e interessante demais para ganhar uma só cópia que seja em exibição nos cinemas convencionais. Com temperos de brasilidade (como o assovio de "Aquarela do Brasil"), o que vemos na tela é uma mistura do cinema marginal à la Bandido da Luz Vermelha, figurinos e iluminação de policial noir e o contraste gritante de luz e sombra do expressionismo alemão. A montagem, premiada no Festival de Brasília, é maravilhosa, e às vezes lembra a experiência surrealista de Buñuel e Dalí em "Um Cão Andaluz" (como no início da segunda parte do filme, em cores). A parte inicial, em preto em branco, é mais bem-sucedida, especialmente pelos engenhosos e provocativos diálogos. Aparentemente sem sentido, vão fundo na alma do fazer cinema, da estética em si, da vida do ser humano e da cultura brasileira, num mosaico que só mesmo um mestre do deboche anárquico no cinema, como Sganzerla, poderia fazer.
Enfim...
Está posto o duelo do cinema espetáculo versus o anti-filme.
Cada um que saque suas adagas - ou pistolas.
Prefiro ver a luta de longe, como mero espectador.
Afinal, penso que ambos têm uma contribuição significativa para a história do cinema.
O mundo seria bem melhor se os críticos de cinema não torcessem o nariz para "Fúria de Titãs".
E se o espectador comum tivesse um mínimo de senso estético para suportar ficar sentado na poltrona até o final de "O Signo do Caos".  



   

SEMANA DE EVENTOS PARA O CINEMAS E TEMAS

POR FÁBIO AUGUSTO STEYER

A próxima semana será repleta de eventos para o pessoal do Cinemas e Temas.
Na segunda, estaremos em Curitiba, apresentando mesa-redonda na Semana de Letras da UFPR. Participação de Celine, Mayara, Fernando, Bruno e Amanda. A coordenação ficou comigo.
Em seguida, este que vos escreve ruma a Porto Alegre para apresentar trabalho no XIV Seminário Nacional de Literatura e História - 200 Anos do Romantismo, organizado pela FAPA (Faculdades Porto-Alegrenses).
E no sábado, terceira sessão dos "Diálogos Entre Literatura e Cinema", com o filme "As Horas" e comentários de Rosana Gelinski.
E nas próximas semanas tem mais...
Haja fôlego!!!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

FILME TAILANDÊS SOBRE FÁBULA BUDISTA VENCE PALMA DE OURO

DO SITE UOL
THIAGO STIVALETTI

Colaboração para o UOL, de Cannes
 
Foi uma escolha ousada, mas maravilhosa e muito justa. O júri presidido por Tim Burton concedeu a Palma de Ouro ao filme tailandês “Uncle Boonmee who can recall his past lives” (Tio Boonmee que se lembra de suas vidas passadas), de Apichatpong Weerashetakul, um filme difícil mas encantador sobre um homem doente na floresta da Tailândia que lembra de suas antigas reencarnações, como peixe e outros animais.
Tim Burton foi honesto com aquilo que mais lhe atrai nos seus próprios filmes: a magia e a fantasia. “O mundo está mais ocidentalizado, e esse é um filme de outro país que usa elementos de fantasia de uma outra maneira. É um sonho estranho e bonito como não costumamos ver”, declarou após a premiação.
“Obrigado ao público por me dar uma chance de compartilhar meu mundo com vocês. Agradeço todos os espíritos e fantasmas da Tailândia que me permitiram estar aqui”, agradeceu Apichatpong.

Juliette Binoche vence prêmio de Melhor Atriz em Cannes

Juliette Binoche e Javier Bardem confirmaram seu favoritismo como melhor ator e atriz do festival. Mas houve uma surpresa: Bardem dividiu o prêmio com o italiano Elio Germano de “La Nostra Vita”, que fez um belo discurso atacando o premiê Silvio Berlusconi: “Nosso presidente nos critica dizendo que fazemos filmes que falam mal da Itália; quero apenas dizer que a Itália um país maravilhoso, apesar da nossa classe dirigente”.
Antes da cerimônia, a apresentadora Kristin Scott-Thomas fez mais um protesto contra a prisão do iraniano Jafar Panahi: “O festival termina hoje e a cadeira do jurado Panahi continua vazia. Este é o nono dia de sua greve de fome. Steven Spielberg nos ligou e lembrou que o Festival de Cannes é uma fortaleza que protege o cinema, uma porta para a liberdade. Esperamos que ele esteja aqui no próximo ano”.
A lista de apresentadores digna de Oscar contou com atores como Emmanuelle Béart, Kirsten Dunst, Guillaume Canet, Diane Kruger, Salma Hayek e Charlotte Gainsbourg.

Premiados:
Palma de Ouro
“Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives”, de Apichatpong Weerasethakul (Tailândia)

Grande Prêmio do Júri
“Des Hommes et des Dieux” (de homens e deuses), de Xavier Beauvois (França)

Melhor Ator
Javier Bardem, por “Biutiful”, de Alejandro González Iñárritu (México/Espanha)
Elio Germano, por “La Nostra Vita”, de Daniele Luchetti (Itália)

Melhor Atriz
Juliette Binoche por “Copie Conforme”, de Abbas Kiarostami (França/Itália/Bélgica)

Melhor Diretor
Mathieu Amalric, por “Tournée” (França)

Melhor Roteiro
Lee Chang-dong, por “Poetry” (Coreia)

Prêmio do Júri
“A Screaming Man”, de Mahamat-Saleh Haroun (Chade)

Caméra d’Or – melhor primeiro longa-metragem
“Año Bisiesto”, de Michael Rowe (México) – Quinzena dos Realizadores

Palma de Ouro - melhor curta-metragem
“Chienne d’Histoire”, de Serge Avedikian (França)

Prêmio do Júri – curta-metragem
“Micky Bader”, de Frieda Kempf (Dinamarca)

LIVRO DE JORGE AMADO É BASE DA TRAMA DE "QUINCAS BERRO D'ÁGUA"

DO SITE UOL

Quincas Berro D'Água, nascido Joaquim Soares da Cunha, um dia foi um respeitado funcionário público. Mas isso foi há muitos anos, quando ele ainda acreditava na humanidade, na família, nos valores burgueses. Infelizmente, ele morre no dia em que completaria 72 anos. Esse detalhe, no entanto, não impede que seus quatro amigos - que estão mais para escudeiros - lhe dêem uma última noitada.
"Quincas Berro D'Água", adaptação do romance "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água", de Jorge Amado, roteirizada e dirigida por Sérgio Machado ("Cidade Baixa"), que chega aos cinemas do Brasil nessa sexta-feira, segue em linhas gerais a obra original, uma das mais vendidas do escritor baiano, morto em 2001.

O livro, no entanto, é apenas um ponto de partida - nunca o de chegada, ou seja, o longa não se limita apenas a explorar os personagens e situações do original.
Com elegância e respeito pelo original, Machado toma os personagens e temas de Jorge Amado para si e os transforma em personagens cinematográficos.
Fora das páginas do livro, eles ganham outra dimensão, outros significados, assim, como a morte do protagonista. Paulo José, que em seu currículo conta com personagens marcantes como o padre, de "O Padre e a Moça", "Macunaíma", ou Edu, de "Edu Coração de Ouro", acaba de criar mais um tipo inesquecível - especialmente por conta de sua interpretação.
Pode parecer simples interpretar o papel de um morto, mas Paulo empresta ao personagem nuances e cores que faltam a muitos vivos (dentro e fora das telas). Seu risinho irônico é um comentário mordaz à hipocrisia de sua família que insiste em varrer para debaixo do tapete seu passado recente de boemia. Mariana Ximenes ("Hotel Atlântico") faz a filha, Vanda, e Vladmir Brichta ("Romance") é o genro almofadinha, acomodado na vidinha burguesa.
Essa é a família oficial. Mas, no fundo, mais conta aquela família de amigos que escolhemos para nós e, nesse quesito, Quincas estava muito bem servido com Pastinha (Flavio Bauraqui, de "Meu Nome não é Johnny"), Pé de Vento (Luis Miranda, de "Jean Charles"), Cabo Martim (Irandhir Santos, de "Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo") e Curió (Frank Menezes, conhecido ator de comédia baiano, que também participou de filmes como "Tieta").
Cada um tem o seu perfil, suas qualidades e fraquezas. Tal qual Dorothy e seus três amigos em "O Mágico de Oz", Quincas e seu quarteto estão em busca de algo, para o grupo e para si - mas, talvez, não estejam cientes dessa jornada.
Pastinha é medroso, Pé de Vento é desbocado, o Cabo tem a bravura, mas talvez lhe falte um pouco de modéstia, e Curió é o eterno sonhador que busca um amor. Dos quatro, ele é a figura mais patética, querendo declamar versos com a maquiagem do rosto borrada de lágrimas.
Fora os amigos, Quincas deixa para trás um grande amor, Manuela, prostituta madura, melancólica e infeliz com a perda do amado. Marieta Severo, que faz a personagem, lhe confere uma dose de dignidade que talvez outra atriz não conseguisse.
O amor, que a muita coisa redime, é a razão de ser dessa mulher que, agora, sem Quincas estará sozinha. Com o peso da idade, talvez jamais encontre novamente outro homem para estar com ela. Amor mesmo, esse parece que foi só um.
Já a personagem da filha Vanda é mais bem desenvolvida no filme que no livro. A morte do pai, com quem ela não tinha contato há alguns anos, é uma catarse, um grito, um aviso de que a vida passa. A faz perceber como o tempo passa rápido e talvez não tenhamos chance de fazer tudo aquilo que queremos, pretendemos ou merecemos.
"Quincas Berro D'Água" deixa uma lição não apenas para Vanda. É preciso viver intensamente o presente. Quincas teve a chance de ganhar uma última noite de esbórnia, de festa com os amigos. Ele pode, mesmo morto, aproveitar a vida. Mas é um caso raro.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

Um cinema documental plural no Brasil: violência e fome [1]


[1] Trabalho apresentado na I Semana de Enfrentamento à Violência contra crianças e adolescentes do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa. 

Bruno Scuissiatto - graduando Português/Espanhol UEPG.



Resumo:


O presente resumo ensaístico pretende destacar filmes da cinematografia nacional que estão em constante movimento com a realidade brasileira, principalmente no que concerne os problemas em torno da violência. Para esse trabalho será utilizado a leitura prévia, embasando os direitos das crianças e adolescentes agredidos pelas mazelas sociais em dois documentários de amplo destaque dentro de nossa tradição fílmica. Ônibus 174 (2002) e Garapa (2008) do diretor José Padilha (Tropa de Elite) trabalham com o preceito do cinema documental. As produções mesmo que tenham sido realizadas em momentos diferentes, concentram problemas nacionais, rompendo as fronteiras dos relatos da cidade do Rio de Janeiro e do estado do Ceará visualizados nos documentários. Esses temas supracitados surgiram nos inúmeros encontros do grupo de pesquisa e extensão “Cinemas e Temas”, atrelado ao Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Estadual de Ponta Grossa e coordenado pelo professor Doutor Fábio Augusto Steyer. Ao longo de pouco mais de um ano de atividades o projeto atendeu uma plateia de mais de 400 espectadores presentes nas sessões de cinema, além de participar com seu grupo de pesquisa de diversos congressos, colóquios e seminários das áreas de letras. Destacando-se como o único projeto da área de letras a participar da última edição do SEURS – Seminário de Extensão da Universidades da Região Sul, realizado em Santa Maria no Rio Grande do Sul com uma oficina intitulada “Cinemas e Temas”.


Introdução

O cinema enquanto produto cultural é normalmente vinculado ao grande apelo comercial e cultural que consegue atender uma grande proporção de pessoas, seja pelo viés dos espectadores ou mesmo pelas discussões em torno do material fílmico concebido. A cinematografia brasileira, principalmente nos últimos vinte anos tem voltado os trabalhos para ficcionalizar o entorno de uma realidade brasileira factual. Há uma forte predominância de filmes históricos1, principalmente centrados nas ditaduras, permitindo uma reconstrução com um olhar moderno do passado, como nos filmes Zuzu Angel2 e O ano em que meus pais saíram de férias3. Na outra ponta da ficção cinematográfica brasileira temos o alcunhado “favela movie4”, que lidera boa parte das bilheterias da história do cinema nacional. Cidade de Deus5 e Cidade dos Homens6 são exemplos de filmes calcados na realidade das comunidades e entornos das favelas cariocas. Porém um dos campos que possui uma montagem diferente da simples acepção entre entretenimento e ficcionalidade é o documentário. Na obra “Mas afinal ... o que é mesmo documentário?”o autor, define:

Em poucas palavras,documentário é uma narrativa com imagens-câmera que estabelece asserções sobre o mundo, na medida em que haja um espectador que receba essa narrativa como asserção sobre o mundo. A natureza das imagens-câmera e, principalmente, a dimensão da tomada através da qual as imagens são constituídas determinam a singularidade da narrativa documentária em meio a outros enunciados assertivos, escritos ou falados.(RAMOS, 2008, p.22)

Entrelaçar a realidade documental é um dos caminhos da produção cinematográfica desde o surgimento do cinema no inicio do século passado na França, quando os Irmãos Lumiere7 retratavam nas películas imagens dos operários nas fábricas ou mesmo o vai e vem dos passantes nas ruas.


Objetivos

Dentro do Cinemas e Temas8, projeto extensionista agregado ao DELET – Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Estadual de Ponta Grossa, que é coordenado pelo professor Doutor Fábio Augusto Steyer, existe os possíveis diálogos das narrativas cinematográficas com temas emoldurados pelas montagens fílmicas. Para o presente trabalho serão explorados dois documentários dirigidos por José Padilha9 – Ônibus 17410 (2002) e Garapa (2008) no campo que concerne à relação com questões inerentes à violência contra crianças e adolescentes.
O principal apontamento que vale ressaltar no caso dos dois documentários são as fronteiras do fazer documental invadir as cenas dos acontecimentos sem o uso de um dos artifícios fundamentais para as filmagens: um roteiro inicial. No caso de Ônibus 174 a utilização das imagens do seqüestro aconteceu casualmente, a partir da câmera de Padilha ligada da janela do seu escritório no Jardim Botânico, zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Já em Garapa a equipe de filmagem se dirigiu até o Ceará sem um roteiro prévio, o único contato inicial foi com os dados de algumas organizações não governamentais. Como o próprio diretor relata no site do documentário: “Não viajei meses antes e fiquei escolhendo os personagens do filme, fomos para lá e logo começamos a filmar as famílias que encontramos”.
O seqüestro da linha 174, rota Gávea - Central traz a tona um dos acontecimentos que mais acomete a urbanidade: as mazelas causadas pelas crianças de rua. Seja no plano periférico, por eles retratarem uma parcela do país que está a margem dos direitos humanos. Como diz a fala de um dos sociólogos presentes no documentário: quantos Sandros existem por aí? Mas a cegueira coletiva não percebe.
O amarramento da narrativa documental se faz pelo flashback utilizado ao longo da exibição, estabelecendo uma busca cronológica no passado do seqüestrador Sandro do Nascimento. Padilha explica o motivo dos depoimentos: Os depoimentos colhidos, o levantamento dos dados e a investigação efetuada nos revela que as raízes do mal plantado naquela tarde carioca estavam profundamente fincadas nas mazelas sociais e econômicas do país.
A espetacularização do evento naquela tarde de 12 de junho de 2000 por meio de diversos meios de comunicação tem alguns dados interessantes: A TV Bandeirantes tinha 40 minutos de imagens gravadas do seqüestro; a Rede Record, 4 horas; e a TV Globo, 20 horas, pois deslocara quatro câmaras para a cobertura do episódio. Padilha comprou 50 minutos de imagens dessas emissoras para montar o filme. Ou seja, entrelaçar os diversos depoimentos deixou uma marca de extenso diálogo com a realidade social, sendo o seqüestro apenas a ponta do “iceberg”.
Uma das teorias da literatura fala sobre narração sumária11, aplicando esse conceito neste documentário, podemos perceber que Sandro teve uma série de artifícios para se tornar um dos exemplos corriqueiros da banalidade dos direitos sociais das crianças em voga em esquinas e praças de nossas cidades. Sumariamente o episódio da chacina da Candelária, que vitimou diversos meninos de rua na região da igreja no centro do Rio de Janeiro, inclusive o próprio Sandro, é um dos algozes responsáveis pela violação dos direitos do bem estar social contra crianças e adolescentes. Usar tal exemplo como justificativa do seqüestro em junho de 2000, não é a intenção do documentário, nem mesmo do proposto trabalho.
O filão de documentários centrados no envolvimento de crianças e adolescentes com a violência urbana, principalmente no campo do tráfico de drogas, pode ser visto em outras produções recentes. Notícias de uma guerra particular (1999) de João Moreira Salles e co-direção de Kátia Lund e Falcão: meninos do tráfico (2006) de MV Bill e Celso Athayde.
A intensidade da tomada documentária estabelece os parâmetros que vão conformar a imagem do popular, oscilando constantemente para as dimensões de um horror carregado de miserabilismo. O popular criminalizado surge na tela com imagens exasperadas, cheias de tensão, evolvendo a representação explícita, e em detalhe, dos aspectos mais degradantes da vida cotidiana das parcelas mais pobres da população brasileira. A criminalização e o miserabilismo são, portanto, pedras angulares na representação do popular no documentário brasileiro contemporâneo, calcadas na clivagem social que compõe, em essência, a sociedade brasileira. (RAMOS, 2008, p. 210)
O cenário deixa para trás a omissão do estado em fornecer aos meninos e meninas de rua uma oportunidade que não seja finalizada dentro do noticiário factual em forma das mais vastas violências. A agressão documental deixa o cenário paradoxal do Rio de Janeiro e sobe para o nordeste brasileiro, também com seus encantos naturais, mas igualmente paradoxais nas relações de crianças e adolescentes frente seus direitos.
Garapa retrata uma parcela mínima do problema da fome no Brasil, focado em três perspectivas diferentes do mesmo tema: a desnutrição na cidade grande, na cidade pequena e cidade longe de tudo.
Diferente do que normalmente se vincula ao senso comum a desnutrição não ocorre somente pela falta de comida, mas sim pela forma como as pessoas se alimentam. Neste quesito o título do documentário é auto-explicativo: Garapa é a mistura de água com açúcar preparada para alimentar as crianças. “O que explica dois fenômenos muito comuns: pessoas desnutridas e obesas, e o grave problema dentário que muitas crianças desnutridas têm”, conta Padilha.
O ponto alto da produção é que ela não é construída na sociologia em torno da forma, mas documenta a fome do ponto de vista de quem realmente a sente.
Na obra “Geografia da Fome”, escrito em 1946, Josué de Castro12 cria uma distinção entre a fome aguda, aquela em que as pessoas ficam sem comer nada e que em determinado prazo leva à morte, e a fome crônica (ou subnutrição crônica), que se manifesta em populações muito carentes de elementos essenciais da alimentação. Neste viés é que muitas crianças e adolescentes estão colocadas, padecendo de uma falta mínima do direito de qualquer cidadão: o acesso a uma alimentação balanceada.
O problema central de Garapa não é apenas denunciar as mazelas de uma parte do Brasil, sim mostrar pontos de encontro entre a realidade que muitas vezes não vemos. Como afirma o diretor: Gostaria muito que Garapa fosse um filme anacrônico, mas os dados mostram o contrário. Há três anos existiam 850 milhões em situação de insegurança alimentar no planeta, no ano passado eram 910 milhões, e a tendência é esse número aumentar porque o preço dos alimentos está subindo. Isso sem levar em consideração a crise financeira. É o contrário do anacrônico, portanto: é atual.


Conclusão

Com estes dois documentários de Padilha encontramos denuncias que estão propagadas em grande parte do Brasil. De um lado a violência contra crianças e adolescentes em crescente escala, no outro a questão da fome, muitas vezes as duas estabelecendo uma relação intrínseca.
Manuela Penafria, da Universidade da Beira Interior, em Portugal, define sobre o papel do documentário como linguagem e gênero audiovisuais. Mais do que simplesmente ser um “espelho do real”, o documentário promove discussões na sociedade e dá significado à realidade.
Calcado nisso podemos perceber que os referidos documentários de Padilha são cada dia mais atuais nas conversações necessárias para o enfrentamento das violações dos direitos humanos, principalmente no que tangem as crianças e adolescentes.

Referências
DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
DUARTE, Rosália. Cinema & educação: refletindo sobre cinema e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal ... o que é mesmo documentário? São Paulo: Editora Senac, 2008.





Sem Poirot para elucidar





Bruno Scuissiatto


Os mistérios são um dos argumentos que movem a nossa imaginação. Cotidianamente ou não, temos uma breve percepção dos espaços preenchidos pelos enigmas – nas passadas apressadas atrás da própria sombra na infância ou deslocando nosso olhar para encontrar uma solução aritmética em uma avaliação de matemática no ensino fundamental. Aumentando os anos e parafraseando o poeta Mário Quintana, a adultice é uma invenção. Abstraia-se com as imagens e movimentos do cinema e se permita ser mais um dos personagens. Esse é o convite do Cinemas e Temas.
A inovação, se é que esta palavra ainda pode ser usada em um mundo que torna a obsolescência maratonista de 100m rasos, marcou o ciclo “Agatha Christie” do Cinemas e Temas. No decorrer do projeto, que já teve os ciclos – A morte no cinema e a mitologia no cinema, pela primeira vez os filmes exibidos foram baseados ou adaptados de romances homônimos de uma mesma escritora, no caso, Agatha Christie. Neste caso cabe um comentário pertinente a historiografia literária da escritora inglesa, que muitas vezes é descrita apenas como mais uma dentro do imenso universo de autores de romances. Nem mesmo as peças de teatro a salvam muitas vezes da ira desenfreada de críticos e deuses do olimpo canônico. Como afirma o escritor e crítico literário Miguel Sanches Neto em seu ensaio “Uma erótica da escrita”: A crítica deve abrir mão de seus conceitos centrípetos e passar a contemplar os grandes narradores que souberam falar ao “Querido Leitor”, autores excluídos do cânone da modernidade por conta de uma lógica perversa: se eles tem leitores, não precisam de consagração critica.
Não muito diferente a linhagem pura do cinema faz algo parecido com a da literatura, normalmente tornando cult aqueles filmes que conseguiram despontar ao largo dos anos. Porém, se a película tem um viés pop, atrelado ao sucesso comercial na receita multiplicada pelo número de espectadores não pode fazer parte do cânone cinematográfico. Será pecado isso?
Com a extensa obra de Agatha Christie não seria diferente a quantidade excessiva de filmes derivados das criações da escritora, ainda mais quando precisamos reforçar que o cinema desde sua consolidação tem como uma das características essa busca incessante nas questões do fomento literário.
Ao levar a este ciclo do Cinemas e Temas - “Assassinato no Expresso do Oriente” (1974) e “Testemunha de Acusação” (1957), por mais que as produções tenham um abismo de quase duas décadas em seus lançamentos, é nítida a aproximação entre elas, principalmente no que tange a montagem. “A Casa do Penhasco” (1989), um dos episódios baseados na obra da autora tem o lado pop avassalador, principalmente pela presença do imponderável investigador Poirot. A fotografia causa impacto e transforma “A Morte no Nilo” (1978)em um filme que alterna o formato pop com o cult - por mais que certos manuais ainda não permitam tal deifinição.  O ponto iconoclsta dentro do ciclo é certamente a presença de “Assassinatos a Bordo” (1964) com a presença certamente da espiã mais bonachona do imenso universo de personagens criados por Agatha Christie, a  impagável Miss Marple, neste caso interpretada de forma sublime pela atriz Margaret Rutherford.
Para uma plateia com certa timidez em responder aos comentários ao final das sessões, ficou clara a proposta do projeto, exibir, discutir e permitir a visualização de olhares múltiplos sobre o cinema, inclusive trazendo a projeção de curtas metragens, destacando esse fecundo gênero fílmico tão inovador e experimental.
Ao coordenar o ciclo tive a impressão que a conclusão de forma correta somente ocorreu pelo desenvolvimento de toda equipe. Cada um se doando de uma forma - Carol, Amanda, Fernando, Flávia, Isadora e Paula com suas percepções levadas a todos os presentes. Ao Giovan pela imensa contribuição, isso se tornando um fato corriqueiro desde sua entrada no projeto. E, a Néia, que estreou de forma destacável nos trabalhos. Além da Celine e da Mayra presentes e confiantes no que é o projeto proporciona. Enfim, ao professor Fábio por nos proporcionar o incentivo a pesquisa e aprendizado constante.
Quando os Lumière criaram o cinematógrafo provavelmente não imaginariam a repercussão que provocariam em torno das questões do cinema e seus temas. O Cinemas e Temas com seus ciclos proporcionam ao cinema novos rumos da discussão e da pesquisa, contribuindo para a comunidade acadêmica da UEPG e pontagrossense ainda a deriva de um local único de projeções fílmicas.
Que venha o próximo ciclo – Hitchcock nos aguarda.





quinta-feira, 20 de maio de 2010

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Todo mundo espera alguma coisa...

 Celine Aparecida de Matos


... de um sábado a noite. Se você espera um pouco de entretenimento com qualidade, talvez possa se interessar pelo programa Zoom, da TV Cultura.
No ar desde 1995, o Zoom foi um dos primeiros programas da TV aberta brasileira dedicado a exibir e divulgar o cinema nacional. Como o seu próprio site define, o programa é uma revista eletrônica cujo tema é cinema. Atualmente sob a apresentação da curitibana Flávia Sherner, são exibidos curtas-metragens, animações e bastidores de filmes.



Através de vários quadros, o programa traz entrevistas com produtores brasileiros e internacionais, apresenta as últimas notícias cinematográficas e conta com críticos como Neusa Barbosa, Ana Paula Souza, Celso Sabadin, Cássio Starling e Marcos Petruceli. Mostra também algumas curiosidades como o primeiro filme de vários produtores conhecidos, trilhas sonoras e cenas marcantes do cinema mundial, bate-papo com artistas ligados à sétima arte e bastidores.
Você pode acompanhar o arquivo do programa no site: http://www.tvcultura.com.br/zoom e também pode seguir o Zoom no twitter: http://twitter.com/zoomtvcultura.
O programa Zoom é exibido aos sábados às 22h30 e reprisa nas madrugadas de sexta para sábado às 01h00. Da próxima vez em que você for ficar em casa no sábado a noite e não estiver a fim de assistir humor barato lembre-se desse programa de que irá entreter e informá-lo. Vale a pena dar uma olhada.

sábado, 15 de maio de 2010

A(s) Morte(s) no Nilo de Agatha Christie

 O longa Morte sobre o Nilo de 1978 fechou o ciclo sobre Agatha Christie no Cinemas e Temas.
  


Paula Starke

A contribuição da autora britânica Agatha Christie para o romance policial é imensurável e indiscutível. Responsável por algumas das obras mais traduzidas no planeta, Agatha criou personagens memoráveis como a curiosa Miss Marple e, é claro, o presunçoso detetive Hercule Poirot.             
Presente em mais de trinta obras, Poirot é um personagem dotado de diversas características que lhe são particulares. Em A Morte no Nilo, publicado originalmente em 1937, Poirot demonstra muito de sua personalidade ao deparar-se com um de seus casos, em plenas férias.            
O tal caso envolve Linnet Ridgeway, uma jovem milionária que, como se não bastasse, também é loura e linda, sua amiga Jacqueline de Bellefort, desprovida de tanta sorte, e o noivo de Jacqueline, Simon Doyle.
Acontece que Jacqueline, ou Jackie, pede a Linnet que conceda um emprego ao noivo, como favor. Pouquíssimo tempo depois, Linnet e Simon encontram-se casados. Não há uma descrição exata de como essa aproximação ocorreu. A situação toda fica subentendida, causando certa surpresa ao espectador.
Dá-se dessa forma na obra de Agatha Christie e também em sua versão cinematográfica Morte sobre o Nilo (Death on the Nile), de John Guillermin, 1978. O longa-metragem inglês conta com Peter Ustinov como Poirot, além de figuras como Mia Farrow, Maggie Smith, Bette Davis - um pouco adiante de seu auge no cinema, mas ainda admirável - Olivia Hussey e Jane Birkin. Além de David Niven que, como o Coronel Race, convence como antigo amigo de Poirot, tamanha a naturalidade entre ambos em cena. Vale destacar que enquanto o Coronel está trabalhando em um caso totalmente alheio no livro, no longa a investigação também é sobre Linnet. 
Outras divergências entre a obra literária e o longa são rapidamente percebidas. Personagens como a Senhora Allerton e o filho Tim, além da prima desajeitada da Senhorita Van Schuyler, Cornelia, são descartados nessa versão cinematográfica, tendo a parte importante de seus papéis delegada a outros. Os personagens que continuam também sofrem diversas modificações.
É claro que, se tratando de Agatha Christie, se espera que um crime aconteça (crimes, nesse caso). O que não se espera é o final dessa trama. Morte no Nilo tem uma resolução excelentemente construída. Torna-se, de fato, impossível que o leitor desvende o acontecimento com todas as suas particularidades. Há uma infinidade de detalhes a serem analisados.
Mas não é impossível para Hercule Poirot, é claro. O detetive, em ambas as obras, parece ser dotado de capacidades extraordinárias de raciocínio. Aliás, não só de raciocínio, mas até humanas. Poirot é quase onipresente. Em grande parte das conversas suspeitas ou incriminadoras do longa, lá está o detetive. Seja apenas de passagem, tirando uma soneca ou jogando damas, Poirot se faz presente em um piscar de olhos. Há uma cena risível, no filme, em que o investigador surge repentinamente detrás de um balcão de bebidas, enquanto Linnet tem uma discussão com o Dr. Bessner.
Registre-se aqui que há uma sucessão de fatos que tornam personagens como o de Dr. Bessner suspeitos, no longa. Uma justificativa para que a desconfiança reine sobre todos, a partir de certo momento na história. No livro, essa suspeita também se estende a todos, mas tudo é traçado mais sutilmente. Essa diferença é compreensível, tendo em vista a brevidade de uma obra cinematográfica.
Mesmo com todas essas implicações, necessárias para a produção de uma obra paralela à original, Morte sobre o Nilo mantém o mesmo suspense provocado na leitura de A Morte no Nilo. A narração satisfaz também em outros tantos aspectos, contendo até certo tom humorístico em algumas passagens. Não é de se surpreender quando dizem por aí ser essa a obra favorita da Rainha do Crime.

Hercule Poirot em ação mais uma vez

  Assassinato no Expresso do Oriente - ponto alto na filmografia baseada em Agatha Christie




Caroline Wilt Araújo

Agatha Christie vem através de décadas encantando e arrebatando milhares de fãs por todo o mundo. Ela, mais do que qualquer outra mulher, ganhou muito dinheiro com o crime. Seus editores perderam as contas da vendagem de seus livros, tamanho é seu sucesso. Além das obras publicadas com o sobrenome usual Christie, produziu ainda peças com o pseudônimo de Mary Westmacott, além de escrever narrativas sobre suas inúmeras viagens com o nome de casada, Agatha Christie Mallowan.
 Uma das obras de grande sucesso da autora foi Assassinato no Expresso do Oriente, originalmente lançado em 1933. Nela, a grande estrela da trama é ninguém mais, ninguém menos que o detetive belga Hercule Poirot.
 A trama se passa no Expresso do Oriente, propriedade da Companhia Internacional Wagons-Lits, que durante seu percurso, em meio a situações adversas, acaba parando no meio de seu trajeto devido a intensa neve. É nesse meio tempo, que um crime acontece, um homem, Ratchett, é encontrado morto em sua cabina com 12 facadas e alguns objetos deixados propositalmente ao seu redor, o que leva o dono da companhia, Monsieur Bouc a solicitar os trabalhos de Poirot, que é seu velho amigo, para que solucione o mistério antes da chegada da polícia.
 Durante a trama, nos deparamos com personagens de várias nacionalidades e posições sociais, e que, ao desenrolar dos fatos vão apresentando sutilmente terem muito em comum: o convívio com a família Armstrong, a qual está diretamente ligada ao crime ocorrido no trem.
 Assassinato no Expresso Oriente, (Murder on the Orient Express, EUA, 1974), sob a direção de Sidney Lumet, é uma produção cinematográfica que expressa com lealdade e riqueza de detalhes aquilo que se passa no livro em que foi baseado. Muitos são os casos de filmes que deixam a desejar quando procuram representar um livro, porém, neste caso, pode-se dizer que a essência do livro encontra-se claramente na tela.
 Hercule Poirot, tanto no livro quanto caracterizado brilhantemente por Albert Finney, surpreende mais uma vez pela sagacidade, dedicação e acidez com que consegue resolver o crime. Finney conseguiu captar a personalidade única do detetive belga, tornando-o por momentos, cômico, mas sem perder a seriedade com que realiza seu trabalho. Sua excentricidade é marcante mais no filme do que no próprio livro, em que aparecem seus cuidados excessivos com a aparência, suas manias. Dono de uma mente extraordinária, Poirot conta com a ajuda de seu amigo e dono da companhia Mounsieur Bouc, no filme, Sr. Bianchi, e com o médico que estava a bordo do outro vagão, o Pullman, Doutor Constantine. Enquanto estes tentavam deliberadamente achar logo um culpado, Poirot utiliza suas técnicas, seus jogos psicológicos para só no fim dizer suas conclusões, o que na verdade, surpreende não somente os leitores, mas também os próprios personagens, como se vê ao final da obra.
 O longa conta com a participação de artistas de peso, como Albert Finney,  Sean Connery, Anthony Perkins, Ingrid Bergman, Jacqueline Bisset, entre outros.
 As duas obras com certeza fazem jus ao nome dado a Agatha por suas criações sobre crimes, Rainha do Crime. O clima é envolvente do começo ao fim, prendendo a atenção e surpreendendo ao final. 

sexta-feira, 14 de maio de 2010

“Assassinatos a Bordo” (Murder Ahoy)

Miss Marple é uma das maiores criações na literatura de Agatha Christie


Isadora Zemgeski

De George Pollock, Inglaterra, 1964.

Elenco: Margaret Rutherford, Stringer Davis, Lionel Jeffries, William Mervyn, Charles ‘Bud’ Tingwell.

Roteiro: David Pursall e Jack Seddon

Baseado em “Um Passe de Mágica” (They Do It With Mirrors) de Agatha Christie.

Música Ron Goodwin.
P&B, 93 min. 


Entre todas as suas dezenas de obras, incluindo romances, contos e peças de teatro, Agatha Christie (1890 – 1976) criou vários detetives, um deles, a anciã audaz e divertida, Jane Marple, ou Miss Marple, como é mais conhecida. A velhinha aparece em doze romances da autora e em alguns contos. Uma solteirona aparentemente comum que gosta de tricotar e, por vezes, é tida como um tanto caduca devido à idade. Entretanto Miss Marple possui uma mente lógica e afiada, sendo capaz de desvendar os mais misteriosos casos de assassinatos com base apenas em seu conhecimento pessoal da natureza humana.
A primeira vez que a personagem aparece é no romance “Assassinato na Casa do Pastor” (The Murder at the Vicarage), de 1930. Muito diferente de como seria conhecida posteriormente, Miss Marple era uma velha fofoqueira, desagradável, que incomodava os moradores do pequeno vilarejo de St. Mary Mead com seu jeito curioso e pessimista, sempre a espera do pior de todos. Posteriormente ela torna-se amável e mais moderna.
Somada a sua inteligência, Miss Marple conta também com os inúmeros exemplos que vivenciou no decorrer da sua vida na pequena aldeia inglesa em que vive. Sempre que vê um crime, ela logo se lembra de algum caso semelhante ocorrido em St. Mary.
No romance “Nêmesis” (Nemesis), de 1971 – último livro da escritora –, Agatha Christie conta ao leitor que sua personagem não procura pelos crimes, estes é que estão sempre perto dela, o que não lhe agrada. 
Entre os anos de 1962 e 1965, a senhora peculiar de raciocínio lógico brilhante ganha sua versão cinematográfica em quatro filmes, todos dirigidos por George Pollock. Nenhum deles busca tornar-se um thriller clássico de suspense policial, longe disso, são filmes agradáveis, divertidos e com o senso de humor inconfundível dos britânicos, facilmente comparados com o gênero de alguns filmes de Alfred Hichcock. Seus próprios trailers trazem o bordão: “Mistério com um senso de humor assassino” (Mistery with a murderous sense of humor).
Quem encarna a heroína, é a renomada atriz britânica Margaret Rutherford, com um vasto currículo com mais de cinquenta filmes.
            “Margaret Rutherford [...] é a mais perfeita Miss Marple que qualquer fã dos livros da velhinha safada e maluca poderia imaginar. Feiosa, com uma cara esquisita, única, o queixo muito grande, o cabelo todo branquinho, com um inigualável charme, olhinhos astutos, um ar inteligente e uma incrível disposição física, ela não interpreta Miss Marple, ela é Miss Marple”
            (VAZ, 2008) 
A interpretação de Margaret coube tão bem a Miss Marple, que a própria Agatha Christie dedicou-lhe um de seus livros, “A Maldição do Espelho” (The Mirror Crack’d From Side to Side), publicado em 1962 e protagonizado, é claro, por Miss Marple. Neste livro temos o adendo “Em admiração” dedicado à atriz. Em 1980 o livro ganhou sua versão aos cinemas com Angela Lansbury (1925) como Miss Marple. Não tão fiel a velhinha carismática, mas com um trabalho bem feito.
Os quatro filmes seguem básicamente a mesma linha que mistura crime e humor, todos com uma trilha sonora cômica e passagens engraçadíssimas. Há personagens fixos, como o Inspetor-Chefe Craddock (Charles Tingwell), sempre desconfiado da verassidade das suspeitas de Miss Marple; e o fiel escudeiro da velhinha doida, Mr. Stringer (Stringer Davis), um senhor tímido e medroso que Miss Marple sempre convence a ajudá-la na resolução dos mistérios.
O terceiro filme – e o que está em questão –, “Assassinatos a Bordo”, foi gravado em 1964 e não é baseado efetivamente em nenhuma das hitórias da autora ou da personagem. Entretanto encontra-se um elemento em comum com o romance “Um Passe de Mágica (They Do It With Mirrors), publicado em 1952. Neste romance, Miss Marple visita uma amiga de Stonygates em sua velha mansão que também funciona como uma escola-reformatório para crianças. Em “Assassinatos a Bordo”, Miss Marple torna-se curadora exatamente de uma instituição para crianças delinquentes.
Todavia, os personagens e o enredo do romance são diferentes do filme. No romance, Carrie, amiga de Miss Marple, é assassinada gerando o mistério a ser desvendado. Já no filme, a instituição aparece apenas no início, quando Miss Marple torna-se curadora e um de seus novos companheiros morre de ataque cardíaco, para alguns, mas envenenado, mas para Miss Marple. A aspirante resolve provar sua tese de assassinato indo até o navio Battledore, onde os jovens delinquentes são treinados para tornarem-se marinheiros. Aparentemente alguém a bordo está fazendo uso do talento criminoso desses jovens para transformá-los em ladrões profissionais. Tudo se complica, porém, quando tripulantes começam a ser assassinados.
Pode-se dizer que George Pollock chegou ao exagero em “Assassitatos a Bordo”. A música é descaradamente cômica, o Inspetor-Chefe Craddock está ainda mais atrapalhado do que nos outros filmes, o Capitão do navio é um personagem de comédia com tiques-nervosos e trejeitos hilários, além de requintes como código morse com lanternas e Miss Marple lutando esgrima. Entretanto a produção em preto e branco nos mostra exatamente o objetivo dos quatro filmes: divertimento, entreterimento, descontração e uma pitada saborosa de mistério e crime, com base em uma das personagens mais marcantes da fabulosa Agatha Christie, ao lado de Hercule Poirot e do casal Tommy e Tupppence Beresford.

Os Outros Três Filmes:
  • Quem Viu, Quem Matou (Miss Marple: Murder, She Said) – 1962
    Baseado em “Testemunha Ocular do Crime” (4.50 From Paddington) – 1957
  • Sherlock de Saias (Miss Marple: Murder at the Gallop) – 1963
    Baseado em Hercule Poirot de “Depois do Funeral” (After the Funeral) – 1953
  • Crime é Crime (Miss Marple: Murder Most Foul) – 1965
    Baseado em Hercule Poirot de “A Morte da Sra. McGinty” (Mrs. McGinty’s Dead)  
Outras Curiosidades:
  • Mr. Stringer nunca existiu de fato nos romances de Agatha Christie. Ele aparece nos quatro filmes da série devido a um pedido de Margaret Rutherford pelo fato do ator que o interpreta, Stringer Davis, ser seu marido.
  • Margaret Rutherford foi ordenada Dame, pela Rainha Elizabeth II (Officer of the British Empire - OBE) em 1961, mais tarde, em 1967, foi ordenada Dame Commander of the Britsh Empire (Dama Comandante do Império Britânico).
  • Em nenhum dos filmes de Miss Marple nos é apresentado qualquer parente próximo da velhinha, entretanto, no romance “Assassinato na Casa do Pastor”, conhecemos um sobrinho, o autor “Raymond West”. A esposa deste é introduzida em 1933 na coletânea de contos “Os Treze Problemas” (The Thirteen Problems). Raymond é um sujeito auto-confiante que também subestima a inteligência da tia e sua habilidade em resolver mistérios.
  • Miss Marple teve, no decorrer de sua vida, uma educação notável. Conhece o campo das artes e da anatomia humana muito bem. Em “Assassinatos a Bordo” o espectador fica sabendo de sua habilidade com a esgrima e, em “Sherlock de Saias”, que Miss Marple foi campeã de hipismo nos anos 30.
  • Entre os anos 1984 e 1992, Miss Marple ganhou uma série na TV BBC. Gravada no Reino Unido, possui doze episódios, cada um com uma história de crime e suspense. Miss Marple é interpretada pela atriz Joan Hickson.
 
 
 
Referência:
VAZ, Sérgio. Quem Viu, Quem Matou / Murder, She Said. E mais três. In 50 anos de filmes. 2008. Disponível em: <http://50anosdefilmes.com.br/2006/quem-viu-quem-matou-murder-she-said-e-mais-tres/> Acesso em 1 mai 2010 às 18h56min.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

AGATHA CHRISTIE E SUA ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA EM “TESTEMUNHA DA ACUSAÇÃO”

 A adaptação homônima da obra de Agatha Christie surge no cinema em 1957, três anos após o lançamento do romance.



Fernando Cestaro & Flávia Almeida


Admitir nas obras de Agatha Christie a presença do mistério policial é  compreender em essência a maestria literária desta senhora capaz de prender seus leitores do início ao fim de suas narrativas. Porém, quando nos deparamos com a sua obra “Testemunha da Acusação”, em um primeiro momento, pensamos estar diante de mais um romance desta dama britânica.
O que poucos sabem é que, ela foi também uma prolífica escritora de peças teatrais (Ira Levin, 1980), e a obra em análise é um desses exemplos. A obra reúne outras peças, “A hora H”, “Veredicto” e “Retorno ao Assassinato”.  
A adaptação cinematográfica de 1957, com a direção de Billy Wilder (Oscar de melhor diretor), e com as atuações de Tyrone Power, Marlene Dietrich, Charles Laughton (Oscar de melhor ator), Elsa Lanchester (Oscar de melhor atriz coadjuvante) e John Williams, recebeu 6 Oscar, entre eles o de melhor filme. Ao materializar nas telas, personagens como Leonard Vole, Romaine (no filme, Christine) e o advogado Sir Wilfrid Robarts, o filme faz com que a trama percorra novos contornos significativos sobre o assassinato de uma rica viúva de meia idade, a Srta. Emily French.  
Nesse sentido, a obra cinematográfica soube aproveitar o roteiro que a peça engendrou e, assim, possibilitou a construção de uma teia envolvente que surpreende até os leitores mais atentos desta senhora que se imortalizou literariamente. A apresentação dos diálogos dos personagens e, principalmente, de suas atuações perante um dos mais importantes tribunais da Inglaterra, Old Bailey, provocam expectativas diferentes a cada depoimento e um flashback detalhado dos acontecimentos.
A estratégia do cinema foi conseguir utilizar as ferramentas de significação das páginas da literatura nas telas monocromáticas. O que Agatha Christie conquistou em “Testemunha da Acusação”, com seu jeito hábil, foi trazer o leitor para uma cadeira de seu teatro ficcional.
O mesmo fez o cinema com o apreciador de filmes clássicos, convidando-o para compartilhar desta criação na arte dos irmãos Lumière. Assim, o que importa é o diálogo, travado entre os personagens, e o diabólico e ambíguo jogo de falas que conduzem às situações e à trama de Agatha Christie.  
 

sábado, 8 de maio de 2010

Literatura e cinema: algumas reflexões sobre a produção voltada para o público infantil

POR FÁBIO AUGUSTO STEYER



A atual produção cinematográfica voltada para o público infantil é bastante diversificada. Há desde roteiros originais até adaptações das mais variadas obras teatrais e literárias, entre as quais têm se destacado nos últimos anos as versões fílmicas de livros também direcionados ao público juvenil, como Harry Potter, Crônicas de Nárnia, Ponte Para Terabítia, etc. Há uma predominância de filmes de fantasia, que nos remetem ao universo dos contos de fadas e mesmo da mitologia. Temos obras que pura e simplesmente são inspiradas em histórias infantis e juvenis, sendo muitas vezes atualizações do enredo para os dias de hoje; outras que procuram reproduzir de forma mais (ou menos) fiel a história original; e aquelas que, de certa maneira, “desorganizam”, no bom sentido, o texto tal como ele havia sido escrito, e que muitas vezes misturam, inclusive, personagens de várias histórias.
É neste último caso que podemos enquadrar os dois filmes que pretendemos analisar. “Deu a Louca na Chapeuzinho” (EUA, 2005), de Cory Edwards, e “Xuxa Abracadabra” (Brasil, 2003), de Moacyr Góes, são obras que têm como tema principal os contos de fadas, misturando seus enredos e personagens, incluindo atualizações nas histórias, desestruturando a ordem natural das ações e proporcionando uma visão polifônica e aberta de clássicos como Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve e os Sete Anões, Os Três Porquinhos, João e Maria, etc.
Sabemos que hoje em dia é extremamente difícil trabalhar com os alunos em sala de aula os clássicos da literatura infantil e juvenil. A concorrência com o computador e os meios audiovisuais parece ser o problema mais óbvio, mas não é o único. O caráter moralizante das versões mais tradicionais de muitos contos de fadas proporciona apenas uma visão bastante fechada das obras. O preceito moral é dado e pronto. E o trabalho com outras versões nem sempre é fácil, até pela conotação erótica que muitas delas compreendem. Além disso, o livro didático de Língua Portuguesa e Literatura, por si só, fecha mais ainda a interpretação dos contos, na medida em que direciona a compreensão do aluno para determinados aspectos em detrimento de outros. Isso ocorre tanto a partir da utilização de trechos isolados das obras, das atividades propostas aos alunos, quanto das ilustrações das histórias, que muitas vezes induzem os estudantes a criarem uma determinada imagem das personagens e cenas. É a visão didática que acaba se sobressaindo sobre a literária. E assim, não formamos leitores de literatura, pois todo o seu aspecto lúdico e ficcional se perde. Como diria Eni Orlandi (1987), o discurso “autoritário” prevalece sobre o discurso “lúdico”. Ou seja: a polissemia, a liberdade de interpretação, a visão plural e aberta da obra literária são substituídas por uma verdade absoluta que me diz o que é certo e o que é errado, ou que direciona minha compreensão do texto.
Parece-nos que os filmes em questão, ao “desorganizarem” (no bom sentido, como já dissemos) essa visão “autoritária” das versões tradicionais dos contos de fadas, podem contribuir de maneira significativa para que se resgate, no trabalho com os alunos, o aspecto lúdico e ficcional tão próprio da literatura. Isso permite ainda que sejam feitas relações, as mais diversas possíveis, com a realidade do mundo contemporâneo e com outros códigos e linguagens midiáticos e artísticos, desestruturando uma visão fechada e parafrásica e construindo múltiplas visões acerca das obras, aproximando-se da idéia de polissemia.
Vejamos como isso acontece nos filmes em questão. Em “Xuxa Abracadabra”, temos a história de duas crianças que literalmente “entram” num livro que é, na verdade, o mundo dos contos de fadas. Lá elas contracenam com Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, Gato de Botas, João e Maria, Pinóquio, etc., e devem enfrentar (junto com a protagonista Xuxa Meneghel, é claro), um vilão misterioso que está desestruturando a vida dos moradores da floresta encantada, lugar onde vivem as personagens dos contos infantis. Um primeiro aspecto a destacar é a constante interação entre mundo real e mundo da fantasia. Assim, além das crianças entrarem no mundo dos contos de fadas, as personagens das histórias infantis vêm para o mundo real. É o caso de Pinóquio e do Lobo Mau. Este último é, quando está na vida real, um lobo de verdade, que assusta as crianças. E na floresta encantada não tem nada de mau, sendo uma versão cômica da tradicional personagem.
Outra forma de quebrar as fronteiras entre real e fantástico é o modo como no filme aparece a figura do narrador. Ele freqüentemente interage com as personagens, conversando com elas e mesmo dando opiniões sobre o que está acontecendo. A desorganização da estrutura normal das ações e personagens das histórias aparece de forma clara nas gozações que são feitas durante o filme. Assim, quando a rainha da Branca de Neve pergunta ao espelho mágico sobre o caçador que deve matar a jovem na floresta, ele responde: “O caçador? O caçador é aquela bolha que a senhora já sabe, né?”. Ou então quando a mesma rainha (interpretada por Cláudia Raia), disfarçada de velhinha, vai dar a maçã envenenada à personagem de Xuxa Meneghel (e não à Branca de Neve, como na versão tradicional), esta diz à bruxa que não vai cair naquela cilada, e que sabe que a velhinha é uma bruxa, que a maçã está envenenada, obrigando a rainha a usar outra estratégia para o envenenamento.
As referências a questões da realidade contemporânea também contribuem para essa desestruturação da ordem natural das coisas. A vovó de Chapeuzinho Vermelho, vivida por Eva Todor, é totalmente “zen”, e nas poucas vezes em que aparece no filme está meditando. Maria (de João e Maria), quando capturada pela rainha da Branca de Neve (e aí temos uma interpenetração de histórias), diz que vai recorrer ao sindicato de personagens dos contos de fadas. E o príncipe, questionado por Branca de Neve sobre a ausência de seu cavalo branco, diz que entrou num consórcio e ainda não foi sorteado.
Em “Deu a Louca na Chapeuzinho”, as estratégias são bastante parecidas. O enredo é sobre um misterioso ladrão de doces que está acabando com todas as confeitarias da floresta. Os suspeitos: Chapeuzinho Vermelho, sua avó (a doceira mais famosa do lugar), o Lobo e um lenhador. O interessante é que cada um deles conta para a polícia uma versão diferente da história. E aí já começa a polissemia. E essas versões diferentes vão se entrecruzando, no decorrer da trama, de modo a solucionar o mistério.
Quanto às personagens, fica clara a desorganização das versões tradicionais, o que inclui alguns acréscimos e sujeitos de outros contos infantis. Os Três Porquinhos são policiais e comem a comida da cena do crime.


O chefe das investigações é um sapo (quase igual ao Caco, da série televisiva Os Muppets), que parece ter saído de um filme policial “noir”. O Lobo é um jornalista investigativo, que está na floresta como repórter a mando de seu jornal. A vovó de Chapeuzinho Vermelho é praticante de esportes radicais. Chapeuzinho luta artes marciais. Há ainda um coelhinho (o vilão da trama) e um bode enfeitiçado por uma bruxa, que só pode se comunicar cantando. Ah, e o lenhador é na verdade um vendedor de doces que sonha em trabalhar no mundo da publicidade vendendo um creme para calos (!).
Alguns diálogos do filme remetem à contemporaneidade. Isso acontece, por exemplo, quando Chapeuzinho, ao ver o Lobo, diz: “Você de novo?!?! O que eu preciso fazer, conseguir um mandado de segurança?” Em outros momentos, ironizam algumas passagens da história. O sapo policial pergunta a Chapeuzinho: “Então o lobo estava vestido como a sua avó?” Ela responde que sim. E o sapo pergunta de novo: “E você caiu nessa?” Ela responde: “Claro que não!”.
Destaque ainda para uma bela canção do filme, num momento da trama em que Chapeuzinho está confusa, triste, sem saber o que fazer. A música diz que naquele momento “vermelho é azul”, associando a cor azul à incerteza e à solidão da personagem. Tudo acompanhado por uma bela fotografia totalmente em tons azuis, apenas nesta parte do filme. Destaque também para a próxima reportagem especial do Lobo, que anuncia, no final, que vai se dedicar a investigar três porquinhos que abriram uma construtora cujas casas “não agüentam um sopro”.
Parece-nos, portanto, que esse tipo de “desorganização” dos contos de fadas nos filmes em questão, se trabalhado em conjunto com as versões tradicionais (e outras, quando isso for possível) e mesmo com a visão fragmentada, direcionada e fechada do livro didático, pode proporcionar interessantes formas de trabalho dos textos com os alunos. A partir das diferentes versões, eles poderiam formar também as suas, relacionando as histórias com a sua realidade e com seu próprio mundo infantil e juvenil. Isso estimularia uma visão polissêmica das histórias, preocupada com a recepção dos contos de fadas (e aí se trata de pensar mesmo uma perspectiva voltada para a Estética da Recepção) e com uma efetiva formação de leitores de literatura.
Como vimos, as relações entre cinema e literatura não podem ser vistas a partir do tradicional e ultrapassado ponto de vista que atestava a superioridade de uma sobre a outra. Era aquela velha história: o livro sempre é melhor do que o filme. Bobagem, ao meu ver. Cinema e literatura possuem linguagens totalmente diferentes, que devem ser respeitadas e analisadas em suas especificidades. E, no caso de “Deu a Louca na Chapeuzinho” e “Xuxa Abracadabra”, parece que os filmes podem dar uma efetiva contribuição para que se evolua a um discurso menos “autoritário” e mais próximo do “lúdico”. Basta saber aproveitar a complementaridade destas duas linguagens tão importantes para o mundo contemporâneo.

ORLANDI, Eni Pulcinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 1987.

* Texto originalmente apresentado no I Congresso Internacional de Leitura e Literatura Infantil e Juvenil, realizado na PUCRS, em Porto Alegre, em 2008. Publicado na revista Letras de Hoje, do curso de Letras da PUCRS, v. 43, edição de abril/junho de 2008.

sábado, 1 de maio de 2010

FILMES BRASILEIROS DE GRAÇA

Quer assistir a filmes de graça?
Acesse: http://www.blinkxbrasil.com.br/
São dezenas de clássicos do cinema nacional para assistir gratuitamente.
Entre os filmes, "Grande Sertão Veredas", "A Causa Secreta", "Boleiros", "Noite Vazia", "Sinhá Moça", entre tantos outros longas, além de curtas e médias.
Não perca!!!
Dica do Cinemas e Temas.

30 ANOS DA MORTE DE ALFRED HITCHCOCK

CLIQUE AQUI E VEJA EXCELENTE MATÉRIA DO JORNAL HOJE, DA REDE GLOBO, SOBRE OS 30 ANOS DA MORTE DE HITCHCOCK



Ele era inglês, fascinado por loiras e 30 anos depois da sua morte ainda é referência para muitos cineastas. Alfred Hitchcock, o mestre do suspense.

Esse fascínio dele pelo medo deve ser trauma de infância. O pai dele o assustava porque achava que era uma maneira de educar o filho. E ele fez do medo, uma marca
Se hoje você sua frio, se agarra na poltrona e toma sustos quando algo acontece na tela do cinema, a culpa é toda de Alfred Hitchcok.
Foi dele a ideia de criar suspense fazendo com que a gente soubesse antes o que os personagens nem imaginavam.
Criando sequências antológicas como a do assassinato no banheiro, em “Psicose”.

CLIQUE AQUI E VEJA O TRAILER DE PSICOSE

Até Steven Spielberg admitiu: fez a trilha sonora do famoso ataque do "Tubarão" inspirado nesta cena.
Certa vez o mestre do suspense, que fez mais de 60 filmes, revelou qual era a sua cena preferida.
Ela também está em Psicose. Hitchcock disse: "É o momento em que o detetive sobe as escadas e todos no cinema sabem que a velha assassina está lá em cima. A vontade de todos é de pedir para que ele pare. Mas ele termina mesmo sendo morto por ela.
O professor Richard Allen da escola de artes da Universidade de Nova York é um especialista na obra de Alfred Hitchcock. Ele conta que o mestre do suspense inovou o cinema ao colocar nos filmes a marca do diretor.
“Antes dele, as pessoas iam ao cinema apenas para ver os atores. Depois dele, também passaram a ir pra conhecer o trabalho dos diretores, iam ver um filme de Hitchcock." explica o professor Allen.
No público, Alfred Hitchcok deixou sua marca como produtor de medo e de sustos. Mas na indústria do cinema, foi além.
Hitchcock explorou a perversidade humana em seus filmes e desenvolveu técnicas inovadoras de iluminação, de enquadramentos e de movimentos de câmera para contar suas histórias.
Em "Festim Diabólico", por exemplo, onde dois amigos matam outro só para provar que podem cometer um crime perfeito, Hitchcock rodou o filme com apenas 11 cortes, sendo seis quase imperceptíveis. Isso em 1948.
Alguns segredos de Alfred Hitchcock são pouco conhecidos. Em “Janela Indiscreta”, por exemplo, um de seus maiores sucessos, Hitchcock conta a história de um homem que investiga um crime espionando os vizinhos de binóculo através da janela de seu quarto.
O homem mora em Nova York, e a história toda se passa aqui, no bairro do Greenwich Village.
Mas ao procurarmos o endereço onde no filme fica a tal "Janela Indiscreta", na Rua 9 oeste, número 125, mistério. A rua acaba de repente. E onde era para estar o prédio, está vazio. Não tem nada lá porque o prédio nunca existiu. Perfeccionista, Hitchcock inventou o endereço. Para poder rodar as cenas exatamente como queria.
Por isso, foram recriados em estúdio 31 apartamentos, 12 mobiliados. Muitos diretores famosos que vieram depois de Hitchcock se inspiraram nele. “A Aventura”, de Antonioni tem suas semelhanças com "Um Corpo que Cai". Em "Repulsa ao Sexo", Roman Polanski usou movimentos de câmera criados para "Psicose".
Por isso, não tenha dúvidas: ainda servindo como referência 30 anos depois de sua morte, Hitchcock vai continuar a assustar as plateias.
E é bom reforçar que a especialidade dele era o suspense e não o terror explícito.
E uma história super curiosa desse gênio é que ele participou de vários filmes como figurante.
Vale a pena tentar encontrá-lo nas cenas, é uma diversão à parte.

Animação "As Aventuras do Avião Vermelho" se inspira em livro infantil de Erico Verissimo

DO SITE UOL
ALYSSON OLIVEIRA
Especial para o UOL, do Cineweb

Quando o assunto é o futuro do cinema, José Maia, que atualmente trabalha como codiretor da animação “As Aventuras do Avião Vermelho”, é bastante otimista. Para ele, daqui a alguns anos tudo será exibido em 3D. Mas até lá, no entanto, ele mesmo acredita que a técnica de exibição tradicional, sem óculos para efeitos especiais, serve muito bem para contar boas histórias – como é o caso do seu longa, produzido há um ano e que deve demorar outro até ficar pronto.
“Se tiver uma boa história, você consegue contá-la até com dois palitos de fósforo”, explicou ao UOL Cinema. A boa história que ele e o codiretor Frederico Pinto, mais conhecido como Fred, estão levando para as telas vem do livro infantil “As Aventuras do Avião Vermelho”, do escritor gaúcho Érico Veríssimo, um clássico da infância de muita gente. “É uma pena que eu não tenha lido o livro quando era pequeno; acho que teria uma percepção diferente da história. Quando conto que estou fazendo esse filme, os olhos de muita gente brilham”.
Segundo Fred, que assina o roteiro com Camila Gonzatto e Emiliano Urbim, a escolha desse livro se deu por ser o mais visual do autor. “Não é necessariamente o melhor livro infantil do Érico Veríssimo, mas é o que nos dava maiores possibilidades num filme”. A obra original serve como inspiração, pois os roteiristas tiveram de expandir a história para criar trama suficiente para um longa. “Fizemos várias pesquisas e descobrimos influências de Julio Verne, por exemplo, e tudo isso nos ajudou a aumentar a trama”.
Já a animação do filme, sob os cuidados de Maia, combina o uso de duas técnicas, o tradicional 2D dos desenhos animados e o 3D feito em computador. “Essa combinação facilita o nosso trabalho. Cenários e outras coisas que tinham de ser feitas a mão, podem ser desenvolvidas em computador. Os personagens também podem ser planejados no computador e isso facilita o trabalho do desenhista e ganhamos tempo. Mas, quando o filme estiver pronto, tudo será exibido no formato convencional”, explica o diretor. Fazer uma animação nesses moldes não é muito comum e Maia acredita que seja inédito no Brasil. Com as imagens criadas em computador, o animador tem uma base para criar a cena por diversos ângulos. “É uma técnica que chamamos de 2D e meio”, brinca Fred.
Maia confessa que chegou a pensar em transformar “As aventuras do Avião Vermelho” num filme em 3D, mas acabou desistindo porque teria de fazer mudanças no meio do processo. “Eu acho que quando se quer lançar um filme em 3D é preciso pensar nisso desde o início e planejar para que ele seja assim. Mudar no meio do caminho, só para aproveitar o sucesso do formato, me parece que acaba prejudicando o resultado final, porque fazer um filme em 3D depende de muito planejamento e trabalho”.
Ao contrário da maioria das animações, em “As aventuras do Avião Vermelho” primeiramente os dubladores gravam seus diálogos e depois os desenhistas criam em cima das vozes. “Assim, os animadores podem incorporar gestuais à animação. Inclusive gravamos os dubladores trabalhando para que pudesse servir de inspiração para os desenhos”, explica Fred. O elenco de vozes do filme inclui Milton Gonçalves, Lázaro Ramos, Fernando Alves Pinto, Wandi Doratiotto e Zezeh Barbosa.
Atualmente, cerca de 23 animadores de diversos estados do Brasil trabalham no filme em Porto Alegre. Maia, que tem mais de 30 anos de experiência na área, conta que não foi muito fácil encontrar os profissionais para trabalhar com a dupla. “Algumas das pessoas que trabalham conosco foram alunos em cursos que dei sobre animação. Muitos estão começando agora e ganhando experiência com o filme”.
Fred, aliás, acredita que o filme, além de colocar diversos animadores no mercado de trabalho, tem tudo para ganhar uma parcela do público que é negligenciada pelo cinema brasileiro: as crianças. “Eu acredito que além da falta de cinema infantil no Brasil, também falta uma discussão sobre fazer cinema para criança no país. Só assim podemos conquistar essa parcela do público, se fizermos bons filmes para eles”, complementa o codiretor.