POR FÁBIO AUGUSTO STEYER
Nos dois últimos dias, situações opostas moveram minha fome de cinema.
Ontem à tarde, no único multiplex aqui de Ponta Grossa, fui assistir ao blockbuster em 3D do momento: o remake de "Fúria de Titãs". Afinal, vivemos na época em que o sucesso de um filme depende da quantidade de cópias lançadas pela distribuidora!!!
O simples fato de ser refilmagem de uma obra de que gosto bastante já seria motivo de interesse. Mais a mitologia grega e estaria fora de questão deixar de assistir.
Um bom filme, mas nada além do original, que ainda é um tanto melhor. Mudaram um pouco a narrativa mitológica, mas isso é inerente à própria mitologia: a existência de várias versões da mesma história. O filme mais recente é até um pouco mais claro em algumas passagens, como a explicação que dá para a origem de Calibus. Os efeitos especiais são muito bons, mas não têm o mesmo impacto que tiveram na época os do filme original. Uma coisa bem legal é a homenagem que fizeram à corujinha Bubo, uma das personagens essenciais e memoráveis do primeiro filme.
As decepções são a trilha sonora (muitíssimo melhor no filme da década de 1980) e a total inexistência de efeitos 3D!!! Parece incrível, mas o filme só foi lançado em 3D para atrair público. Não há um só efeito que justifique o ingresso caro de 3D. Portanto, fica aqui a dica: gaste menos grana e veja a versão convencional.
Bom, mas essa foi apenas a minha primeira experiência cinematográfica dos últimos dois dias. Foi a do "cinema espetáculo".
A outra foi "O Signo do Caos", derradeiro filme do "marginal" Rogério Sganzerla, exibido no projeto "Cinearte", no Teatro Ópera, também aqui em Ponta Grossa. Nesse verdadeiro "anti-filme", o falecido e consagrado diretor literalmente vomita a cultura brasileira goela abaixo de nós, meros espectadores acostumados a narrativas convencionais como "Fúria de Titãs". Não é filme para ser lançado em salas regulares de exibição comercial. É daqueles que espantam espectadores, que não agüentam ficar até o final do filme. Nunca leve uma garota, no primeiro encontro, a um filme de Sganzerla ou a um filme iraniano: ela vai largar você na hora... É sério!
Na verdade, a experiência cinematográfica de Sganzerla é esteticamente provocante e interessante demais para ganhar uma só cópia que seja em exibição nos cinemas convencionais. Com temperos de brasilidade (como o assovio de "Aquarela do Brasil"), o que vemos na tela é uma mistura do cinema marginal à la Bandido da Luz Vermelha, figurinos e iluminação de policial noir e o contraste gritante de luz e sombra do expressionismo alemão. A montagem, premiada no Festival de Brasília, é maravilhosa, e às vezes lembra a experiência surrealista de Buñuel e Dalí em "Um Cão Andaluz" (como no início da segunda parte do filme, em cores). A parte inicial, em preto em branco, é mais bem-sucedida, especialmente pelos engenhosos e provocativos diálogos. Aparentemente sem sentido, vão fundo na alma do fazer cinema, da estética em si, da vida do ser humano e da cultura brasileira, num mosaico que só mesmo um mestre do deboche anárquico no cinema, como Sganzerla, poderia fazer.
Enfim...
Está posto o duelo do cinema espetáculo versus o anti-filme.
Cada um que saque suas adagas - ou pistolas.
Prefiro ver a luta de longe, como mero espectador.
Afinal, penso que ambos têm uma contribuição significativa para a história do cinema.
O mundo seria bem melhor se os críticos de cinema não torcessem o nariz para "Fúria de Titãs".
E se o espectador comum tivesse um mínimo de senso estético para suportar ficar sentado na poltrona até o final de "O Signo do Caos".
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