sexta-feira, 14 de maio de 2010

“Assassinatos a Bordo” (Murder Ahoy)

Miss Marple é uma das maiores criações na literatura de Agatha Christie


Isadora Zemgeski

De George Pollock, Inglaterra, 1964.

Elenco: Margaret Rutherford, Stringer Davis, Lionel Jeffries, William Mervyn, Charles ‘Bud’ Tingwell.

Roteiro: David Pursall e Jack Seddon

Baseado em “Um Passe de Mágica” (They Do It With Mirrors) de Agatha Christie.

Música Ron Goodwin.
P&B, 93 min. 


Entre todas as suas dezenas de obras, incluindo romances, contos e peças de teatro, Agatha Christie (1890 – 1976) criou vários detetives, um deles, a anciã audaz e divertida, Jane Marple, ou Miss Marple, como é mais conhecida. A velhinha aparece em doze romances da autora e em alguns contos. Uma solteirona aparentemente comum que gosta de tricotar e, por vezes, é tida como um tanto caduca devido à idade. Entretanto Miss Marple possui uma mente lógica e afiada, sendo capaz de desvendar os mais misteriosos casos de assassinatos com base apenas em seu conhecimento pessoal da natureza humana.
A primeira vez que a personagem aparece é no romance “Assassinato na Casa do Pastor” (The Murder at the Vicarage), de 1930. Muito diferente de como seria conhecida posteriormente, Miss Marple era uma velha fofoqueira, desagradável, que incomodava os moradores do pequeno vilarejo de St. Mary Mead com seu jeito curioso e pessimista, sempre a espera do pior de todos. Posteriormente ela torna-se amável e mais moderna.
Somada a sua inteligência, Miss Marple conta também com os inúmeros exemplos que vivenciou no decorrer da sua vida na pequena aldeia inglesa em que vive. Sempre que vê um crime, ela logo se lembra de algum caso semelhante ocorrido em St. Mary.
No romance “Nêmesis” (Nemesis), de 1971 – último livro da escritora –, Agatha Christie conta ao leitor que sua personagem não procura pelos crimes, estes é que estão sempre perto dela, o que não lhe agrada. 
Entre os anos de 1962 e 1965, a senhora peculiar de raciocínio lógico brilhante ganha sua versão cinematográfica em quatro filmes, todos dirigidos por George Pollock. Nenhum deles busca tornar-se um thriller clássico de suspense policial, longe disso, são filmes agradáveis, divertidos e com o senso de humor inconfundível dos britânicos, facilmente comparados com o gênero de alguns filmes de Alfred Hichcock. Seus próprios trailers trazem o bordão: “Mistério com um senso de humor assassino” (Mistery with a murderous sense of humor).
Quem encarna a heroína, é a renomada atriz britânica Margaret Rutherford, com um vasto currículo com mais de cinquenta filmes.
            “Margaret Rutherford [...] é a mais perfeita Miss Marple que qualquer fã dos livros da velhinha safada e maluca poderia imaginar. Feiosa, com uma cara esquisita, única, o queixo muito grande, o cabelo todo branquinho, com um inigualável charme, olhinhos astutos, um ar inteligente e uma incrível disposição física, ela não interpreta Miss Marple, ela é Miss Marple”
            (VAZ, 2008) 
A interpretação de Margaret coube tão bem a Miss Marple, que a própria Agatha Christie dedicou-lhe um de seus livros, “A Maldição do Espelho” (The Mirror Crack’d From Side to Side), publicado em 1962 e protagonizado, é claro, por Miss Marple. Neste livro temos o adendo “Em admiração” dedicado à atriz. Em 1980 o livro ganhou sua versão aos cinemas com Angela Lansbury (1925) como Miss Marple. Não tão fiel a velhinha carismática, mas com um trabalho bem feito.
Os quatro filmes seguem básicamente a mesma linha que mistura crime e humor, todos com uma trilha sonora cômica e passagens engraçadíssimas. Há personagens fixos, como o Inspetor-Chefe Craddock (Charles Tingwell), sempre desconfiado da verassidade das suspeitas de Miss Marple; e o fiel escudeiro da velhinha doida, Mr. Stringer (Stringer Davis), um senhor tímido e medroso que Miss Marple sempre convence a ajudá-la na resolução dos mistérios.
O terceiro filme – e o que está em questão –, “Assassinatos a Bordo”, foi gravado em 1964 e não é baseado efetivamente em nenhuma das hitórias da autora ou da personagem. Entretanto encontra-se um elemento em comum com o romance “Um Passe de Mágica (They Do It With Mirrors), publicado em 1952. Neste romance, Miss Marple visita uma amiga de Stonygates em sua velha mansão que também funciona como uma escola-reformatório para crianças. Em “Assassinatos a Bordo”, Miss Marple torna-se curadora exatamente de uma instituição para crianças delinquentes.
Todavia, os personagens e o enredo do romance são diferentes do filme. No romance, Carrie, amiga de Miss Marple, é assassinada gerando o mistério a ser desvendado. Já no filme, a instituição aparece apenas no início, quando Miss Marple torna-se curadora e um de seus novos companheiros morre de ataque cardíaco, para alguns, mas envenenado, mas para Miss Marple. A aspirante resolve provar sua tese de assassinato indo até o navio Battledore, onde os jovens delinquentes são treinados para tornarem-se marinheiros. Aparentemente alguém a bordo está fazendo uso do talento criminoso desses jovens para transformá-los em ladrões profissionais. Tudo se complica, porém, quando tripulantes começam a ser assassinados.
Pode-se dizer que George Pollock chegou ao exagero em “Assassitatos a Bordo”. A música é descaradamente cômica, o Inspetor-Chefe Craddock está ainda mais atrapalhado do que nos outros filmes, o Capitão do navio é um personagem de comédia com tiques-nervosos e trejeitos hilários, além de requintes como código morse com lanternas e Miss Marple lutando esgrima. Entretanto a produção em preto e branco nos mostra exatamente o objetivo dos quatro filmes: divertimento, entreterimento, descontração e uma pitada saborosa de mistério e crime, com base em uma das personagens mais marcantes da fabulosa Agatha Christie, ao lado de Hercule Poirot e do casal Tommy e Tupppence Beresford.

Os Outros Três Filmes:
  • Quem Viu, Quem Matou (Miss Marple: Murder, She Said) – 1962
    Baseado em “Testemunha Ocular do Crime” (4.50 From Paddington) – 1957
  • Sherlock de Saias (Miss Marple: Murder at the Gallop) – 1963
    Baseado em Hercule Poirot de “Depois do Funeral” (After the Funeral) – 1953
  • Crime é Crime (Miss Marple: Murder Most Foul) – 1965
    Baseado em Hercule Poirot de “A Morte da Sra. McGinty” (Mrs. McGinty’s Dead)  
Outras Curiosidades:
  • Mr. Stringer nunca existiu de fato nos romances de Agatha Christie. Ele aparece nos quatro filmes da série devido a um pedido de Margaret Rutherford pelo fato do ator que o interpreta, Stringer Davis, ser seu marido.
  • Margaret Rutherford foi ordenada Dame, pela Rainha Elizabeth II (Officer of the British Empire - OBE) em 1961, mais tarde, em 1967, foi ordenada Dame Commander of the Britsh Empire (Dama Comandante do Império Britânico).
  • Em nenhum dos filmes de Miss Marple nos é apresentado qualquer parente próximo da velhinha, entretanto, no romance “Assassinato na Casa do Pastor”, conhecemos um sobrinho, o autor “Raymond West”. A esposa deste é introduzida em 1933 na coletânea de contos “Os Treze Problemas” (The Thirteen Problems). Raymond é um sujeito auto-confiante que também subestima a inteligência da tia e sua habilidade em resolver mistérios.
  • Miss Marple teve, no decorrer de sua vida, uma educação notável. Conhece o campo das artes e da anatomia humana muito bem. Em “Assassinatos a Bordo” o espectador fica sabendo de sua habilidade com a esgrima e, em “Sherlock de Saias”, que Miss Marple foi campeã de hipismo nos anos 30.
  • Entre os anos 1984 e 1992, Miss Marple ganhou uma série na TV BBC. Gravada no Reino Unido, possui doze episódios, cada um com uma história de crime e suspense. Miss Marple é interpretada pela atriz Joan Hickson.
 
 
 
Referência:
VAZ, Sérgio. Quem Viu, Quem Matou / Murder, She Said. E mais três. In 50 anos de filmes. 2008. Disponível em: <http://50anosdefilmes.com.br/2006/quem-viu-quem-matou-murder-she-said-e-mais-tres/> Acesso em 1 mai 2010 às 18h56min.

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