O longa Morte sobre o Nilo de 1978 fechou o ciclo sobre Agatha Christie no Cinemas e Temas.
Paula Starke
A contribuição da autora britânica Agatha Christie para o romance policial é imensurável e indiscutível. Responsável por algumas das obras mais traduzidas no planeta, Agatha criou personagens memoráveis como a curiosa Miss Marple e, é claro, o presunçoso detetive Hercule Poirot.
Presente em mais de trinta obras, Poirot é um personagem dotado de diversas características que lhe são particulares. Em A Morte no Nilo, publicado originalmente em 1937, Poirot demonstra muito de sua personalidade ao deparar-se com um de seus casos, em plenas férias.
O tal caso envolve Linnet Ridgeway, uma jovem milionária que, como se não bastasse, também é loura e linda, sua amiga Jacqueline de Bellefort, desprovida de tanta sorte, e o noivo de Jacqueline, Simon Doyle.
Acontece que Jacqueline, ou Jackie, pede a Linnet que conceda um emprego ao noivo, como favor. Pouquíssimo tempo depois, Linnet e Simon encontram-se casados. Não há uma descrição exata de como essa aproximação ocorreu. A situação toda fica subentendida, causando certa surpresa ao espectador.
Dá-se dessa forma na obra de Agatha Christie e também em sua versão cinematográfica Morte sobre o Nilo (Death on the Nile), de John Guillermin, 1978. O longa-metragem inglês conta com Peter Ustinov como Poirot, além de figuras como Mia Farrow, Maggie Smith, Bette Davis - um pouco adiante de seu auge no cinema, mas ainda admirável - Olivia Hussey e Jane Birkin. Além de David Niven que, como o Coronel Race, convence como antigo amigo de Poirot, tamanha a naturalidade entre ambos em cena. Vale destacar que enquanto o Coronel está trabalhando em um caso totalmente alheio no livro, no longa a investigação também é sobre Linnet.
Outras divergências entre a obra literária e o longa são rapidamente percebidas. Personagens como a Senhora Allerton e o filho Tim, além da prima desajeitada da Senhorita Van Schuyler, Cornelia, são descartados nessa versão cinematográfica, tendo a parte importante de seus papéis delegada a outros. Os personagens que continuam também sofrem diversas modificações.
É claro que, se tratando de Agatha Christie, se espera que um crime aconteça (crimes, nesse caso). O que não se espera é o final dessa trama. Morte no Nilo tem uma resolução excelentemente construída. Torna-se, de fato, impossível que o leitor desvende o acontecimento com todas as suas particularidades. Há uma infinidade de detalhes a serem analisados.
Mas não é impossível para Hercule Poirot, é claro. O detetive, em ambas as obras, parece ser dotado de capacidades extraordinárias de raciocínio. Aliás, não só de raciocínio, mas até humanas. Poirot é quase onipresente. Em grande parte das conversas suspeitas ou incriminadoras do longa, lá está o detetive. Seja apenas de passagem, tirando uma soneca ou jogando damas, Poirot se faz presente em um piscar de olhos. Há uma cena risível, no filme, em que o investigador surge repentinamente detrás de um balcão de bebidas, enquanto Linnet tem uma discussão com o Dr. Bessner.
Registre-se aqui que há uma sucessão de fatos que tornam personagens como o de Dr. Bessner suspeitos, no longa. Uma justificativa para que a desconfiança reine sobre todos, a partir de certo momento na história. No livro, essa suspeita também se estende a todos, mas tudo é traçado mais sutilmente. Essa diferença é compreensível, tendo em vista a brevidade de uma obra cinematográfica.
Mesmo com todas essas implicações, necessárias para a produção de uma obra paralela à original, Morte sobre o Nilo mantém o mesmo suspense provocado na leitura de A Morte no Nilo. A narração satisfaz também em outros tantos aspectos, contendo até certo tom humorístico em algumas passagens. Não é de se surpreender quando dizem por aí ser essa a obra favorita da Rainha do Crime.
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