Um filme brasileiro, que pode ser brasileiro - 2 Coelhos
por Bruno Scuissiatto
Qual a relação de uma tela pop art de Andy Warhol com Driver, um dos jogos mais controversos de videogame? Talvez nenhuma. Apenas teoria de quem gosta do colorido dos traços do artista americano ou passou várias horas em frente ao televisor brincando de roubar carros.
Se você foi colonizado por filmes americanos vai encontrar a pergunta: “2 Coelhos”, filme de estreia do diretor Afonso Poyart é brasileiro? Blockbusters do gênero ação hollywoodianos estão sempre em cartaz nos cinemas, mas as produções nacionais normalmente optam mais pelo realismo pé no chão.
Deixamos de lado as explosões de Guy Ritchie (Snatch – Porcos e Diamantes, Revolver, RocknRolla) e as tramas não lineares de Quentin Tarantino (Pulp Fiction, Cães de Aluguel, Kill Bill, Sin City). Comparações são inevitáveis, mas precisamos destacar, há muito mérito em “2 Coelhos”.
A plurilinguagem é um dos trunfos da estreia do diretor no audiovisual – HQ, videogame, 3D e recursos gráficos, não são gratuitos, trazem o complemento para o jogo cênico dos atores – de rostos globais (Alessandra Negrini e Caco Ciocler) aos rappers Thogun e Thaíde. Sem esquecer o protagonista e narrador em off da trama, Fernando Alves Pinto – o mesmo do belo Terra Estrangeira, 1996, de Walter Salles e Daniela Thomas) que vive o personagem Edgar. Aliás, com idas e vindas a narrativa é preparada pelo off do personagem, essencial para o andamento fílmico.
O roteiro é assinado pelo próprio Poyart, que optou por deixar mesmo nas cenas mais pesadas de violência o tom debochado na fala dos personagens. Todos os flashbacks são construídos desconstruindo o “mais do mesmo” de muitas produções do cinema nacional – confronto entre bandidos, crítica política, clichê romântico, deixando “2 Coelhos” como um dos grandes filmes dos últimos anos, principalmente na questão “recursos gráficos”, que são o escape principalmente para as caras cenas de ação e tiros, sem permitir o sangue espirrar na tela, criando autênticos quadros da pop art.
Para um filme no modelo de “2 Coelhos” nada melhor que a escolha das músicas que acompanham a narrativa – de imagens belas da personagem Julia (Alessandra Negrini) ao som de versos: mesmo quando tudo pede/um pouco mais de calma, da canção Paciência, do Lenine, aos créditos e planos de Edgar (Fernando Alves Pinto) para colocar em confronto os “coelhos”, ao rock escatológico de “Será que é disso que eu necessito”, dos Titãs – quem é que precisa tomar cuidado com o que diz/quem é que precisa tomar cuidado com o que faz/ será que é disso que eu necessito.
É um filme comercial com ares de pop art que não perde a sua autonomia e deixa um novo olhar para o cinema contemporâneo brasileiro, quem sabe proporcionando um novo debate plural da sétima arte. Sinto por aqueles desistentes da sessão, perderam muito mais que o final totalmente inesperado.
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