Mas de qualquer forma é a ele a quem devemos dois dos maiores poemas épicos da história, a Ilíada e a Odisséia. Apesar disso, algumas dúvidas quanto à autoria e a veracidade do que é narrado ainda se estendem devido à falta de registros suficientes da época. Os manuscritos aos quais se tem acesso são bem posteriores e a poesia épica era oral e tradicional. Não se julgava necessário registrar obras literárias, tudo era composto ‘de cabeça’.
Mas vamos ao que interessa. A Ilíada tem mais de 15 mil versos em hexâmetro dactílico (esquema rítmico que tem como unidade métrica o dáctilo, formado por uma sílaba longa seguida de duas breves). Talvez justamente para manter a métrica é que tantas frases se repetem. As apresentações dos personagens, acompanhadas de certa “genealogia” tornam a aparecer a todo o momento. “Dos pés ligeiros”, “do elmo reluzente”, “filho de Atreu” ou “semelhante aos deuses” são bem usados. Mas alguns mais inusitados como “dos olhos bovinos” ou “do peito cabeludo” também tem espaço.
A Ilíada também é um conjunto de pequenas partes; qualquer canto visto de forma isolada ainda fará sentido. É pouco provável, portanto, que a obra tenha ficado livre de ‘adições’ com o passar do tempo. Não há como se saber da verdade; simplesmente não se dispõe de registros suficientes para saber se a Ilíada surgiu de vários autores, de vários tempos, ou se realmente se originou da mente do enigmático Homero.
Quanto à veracidade do que se narra na Ilíada, também há inúmeros questionamentos. Não se pode dizer com certeza que a Guerra de Tróia ocorreu. A arqueologia fez desde então incontáveis descobertas, mas é praticamente impossível fazer o poema épico concordar plenamente com alguma escavação.
A narrativa se inicia com o desentendimento entre Aquiles, maior guerreiro aqueu, e Agamenon, rei de Micenas e Argos, e chefe dos heróis gregos. A ira sentida por Aquiles é o principal foco da história; se deu quando alguns infortúnios assolaram os gregos por culpa de Agamenon.
Para vingar seu sacerdote que teve a filha capturada por Agamenon, Apolo desce do Olimpo carregando seu arco e suas setas, dispara contra os homens gregos e lhes manda a peste.
É aí que percebemos o papel dos deuses no poema. Apolo atua como qualquer outro personagem, apesar de ser um imortal. Uma verdadeira personificação das divindades. O incomum, portanto, não está no fato dos deuses terem seus preferidos e intercederem por eles, mas em se envolverem fisicamente. Além de aparecerem em sua própria forma, às vezes vêm disfarçados de mortais, conhecidos ou desconhecidos.
Uma das obras cinematográficas baseadas no poema é Tróia, de Wolfgang Petersen, 2004. No filme os deuses não aparecem convivendo com os mortais ou se manifestando fisicamente. São apenas objeto de sua fé. São citados e há estátuas suas, mas jamais atuam ao lado dos mortais.
Há também outras diferenças de enredo, o que é comum quando se trata de adaptações para o cinema. A Ilíada termina com os funerais de Heitor, morto por Aquiles por vingança. Heitor havia matado seu amigo Pátroclo (no filme Pátroclo é primo de Aquiles). Já em Tróia a batalha continua, mostrando inclusive o Cavalo de Tróia, “presente” dos gregos, que acabam por ganhar a guerra. O longa possui um elenco de galãs e uma série de alterações que eram necessárias para torná-lo um sucesso de bilheteria. O que, aliás, não ocorreu.
Enfim, a ira de Aquiles se tornou “exemplo” com o passar do tempo de como esse sentimento pode resultar em egoísmo, destruição e morte. O que foi posteriormente considerado um dos pecados capitais, já era representado por Homero aproximadamente oito séculos antes. Tanto é que Aquiles só retornou à guerra de Tróia quando “refocalizou” sua raiva, o que é de fato representado em ambas as obras.
A verdade sobre Tróia, lançado por Hollywood em 2004.
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