quinta-feira, 8 de julho de 2010

O ÚLTIMO SUSPIRO

POR FÁBIO AUGUSTO STEYER



Bruno não é daqueles caras que metem bronca com tudo. É tranqüilo. Até demais. Mas aquela situação era completamente insustentável...
Tem dias em que tudo dá errado. E foi o que aconteceu naquela terça-feira, véspera de feriado.
Foi um dia de “anti-herói”, e Bruno se sentiu Macunaíma diante de tal acontecimento. Tá bom... Macunaíma, não. Talvez Dom Quixote... Cada um escolhe a personagem que melhor representar o drama encenado naquele que é o mais interessante palco de todos: a platéia.
Um detalhe que não podemos deixar de fora da história: nosso protagonista tem uma mania um tanto inusitada: é completamente viciado por suspiros!!! Bruno é capaz de qualquer coisa para conseguir um pacote deles. Chega a lamber os beiços, a salivar quando vê aqueles flocos nevados de açúcar, montanhas de gelo a provocar – coma-me! -, a transformar a razão em sentimento mais passional e ardoroso do que o de torcedor fanático em dia de clássico no futebol.
Bruno é assim. Um sujeito tranqüilo. Que devora suspiros como ninguém neste mundo. Sempre acompanhados de Fanta light. É verdade. Talvez a bebida seja o mais estranho desse vício. Sem Fanta light não tem suspiros. Não tem graça...
Pois foi assim que tudo começou.
Bruno foi ao supermercado, comprou um pacote de suspiros e um litrão de Fanta light e foi para o Cine Palladium, que naquela inspirada semana (real ou fictícia, isso ninguém sabe) estava exibindo uma retrospectiva do Fellini. O filme era “A Doce Vida”, com Marcelo Mastroianni e Anita Ekberg.
Sala vazia, véspera de feriado, dia ideal para um programa cinematográfico.
Mas aquela situação era completamente insustentável...
Luzes apagadas, filme em exibição e Bruno mastigava incansável os seus suspiros. O ranger dos dentes sobre os montes alvos e gorduchos só era interrompido pelos ávidos goles de Fanta light e pelos devaneios da bela moça na fila da frente, que suspirava toda vez que Mastroianni aparecia na tela, desviando a atenção de Bruno.
Ao arranjo gastronômico e amoroso que ritmava as ações de Bruno, enfastiado com os suspiros, e da menina que platonicamente devorava o olhar do galã italiano, veio se juntar um novo e perturbador elemento: na primeira fila, um casal de meia idade fazia amor, no chão, sob as luzes e sombras projetadas da tela em toda a sala de exibição. Roupas esvoaçantes e sussurros de glória e dor harmonizavam a coreografia daquela dança provocante e sinfônica, intensificando o estarrecimento dos espectadores das fileiras mais próximas.
Bruno é um cara tranqüilo. Até demais. Mas aquela situação era completamente insustentável...
Ele olhava para a moça em sua frente e ela parecia não perceber nada, hipnotizada pela cena de amor de Anita Ekberg e Mastroianni na Fontana di Trevi.
Mastigava seus suspiros, bebia sua Fanta light e estava completamente perturbado com aquele casal transando assim, descaradamente, na primeira fila do cinema.
E a moça não fazia absolutamente nada...
De repente, Bruno viu diante de si um suspiro gigante, que vinha em sua direção. Ameaçador, ele tinha olhos vermelhos e ovalados, e chegava cada vez mais perto. Bruno não via mais nada em seu redor, apenas o suspiro enorme, branco, sobre seu corpo, fazendo amor e sussurrando mensagens completamente inadequadas para um texto literário de respeito.
Prestes a atingir o ápice daquele momento, Bruno gritou:
- Cheeeegaaaa!!!!!
Por alguns segundos todo o cinema parou.
O casal da primeira fila interrompeu o ato e olhou para trás.
A bela moça da poltrona em frente olhou para Bruno.
Ele corou.
Ela desviou seu olhar para a Fontana di Trevi e suspirou profundamente.
Bruno encheu as narinas de ar e lentamente soltou pela boca.
Pediu desculpas para si mesmo e riu. Um riso amargo e com uma pontinha de ironia.
Enfiou a mão no pacote de guloseimas. Só havia sobrado um.
Então comeu o último suspiro, bebeu o resto da Fanta light e foi embora, pensando no ciclo de Hitchcock que começaria na semana seguinte.

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