BRUNO SCUISSIATTO
Uma das práticas do Cinemas e Temas é proporcionar aos participantes um contato irrestrito com vários segmentos da produção cinematográfica. Dentro disso surgiu o “Diálogos entre o cinema e a literatura”, que traz para o cerne do projeto a literatura, certamente o maior filão utilizado como argumento para uma tradição fílmica.
Ao relacionar a literatura com o cinema recaímos sobre o campo das adaptações, uma tradição corriqueira nas sétima arte. Como invenção tardia em relação ao teatro e a própria literatura, o cinema tem apenas pouco mais de um século de nascimento, talvez isto explique de alguma forma um reaproveitamento do discurso literário pelo cinema.
Atualmente a quantidade de roteiros adaptados é uma tendência dentro da produção cinematográfica, seja nos filmes produzidos com incentivos de editais de fomento à cultura no Brasil ou mesmo nos estúdios de Hollywood. No Brasil o mercado de adaptações é uma das marcas em nossa cinematografia, seja pela Cinema Novo ou marginal, e, ainda com os filmes produzidos após o cinema da reabertura.
Pequeno histórico do cinema e literatura pelo romance de 30
Por se tratar de semiologias distintas o cinema não tem a pretensão de repetir a prosa literária, pois respeitadas as fronteiras, a teoria da literatura pode ser utilizada dentro do discurso cinematográfico. Um dos traços mais fortes do Cinema Novo foi o desprezo pela retórica, tão comumente aplicada no cinema nacional centrado nas correntes européias. Assim, a produção extremamente voltada para as denúncias sociais do nordeste brasileiro na prosa literária de 30, tornou-se um dos argumentos mais fortes para os cineastas adaptarem para o formato fílmico muito da produção literária.
Assim, durante o período em que aflorou o movimento do Cinema Novo em 1963, com a trilogia do sertão, – Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos), Os fuzis (Ruy Guerra) e Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha), inúmeros filmes foram resultados das adaptações da literatura brasileira produzida no século XX. Uma das questões levantadas por este cinema foi levar para os projetos fílmicos questões nacionais, dialogando com as denuncias sociais, um dos traços marcantes dentro do Cinema Novo, porém também promovendo um diálogo com as produções literárias, musicais e teatrais daquele momento, principalmente em filmes notáveis como: Vidas Secas (Pereira dos Santos, 1963), Menino do Engenho (Walter Lima Jr, 1965), A Hora e a Vez de Augusto Matraga (Roberto Santos, 1965) e Macunaíma (Joaquim Pedro, 1969).
Nelson Pereira dos Santos o trabalho com a literatura sempre foi muito contundente dentro de sua filmografia, do mesmo Graciliano Ramos ele adaptou para o cinema o romance Memórias do Cárcere em 1984. Outros filmes do cineasta foram resultados de sua fiel aproximação com a literatura nacional: Boca de Ouro (1962) de Nelson Rodrigues, A Terceira Margem do Rio (1994) de João Guimarães Rosa e Casa Grande Senzala de Bernardo Guimarães em 2000.
Algumas passagens de Vidas Secas
A estrutura narrativa de Vidas Secas respeita o ritmo dos ingás secos do sertão alagoano. Rodado na Fazenda do Encantado, distante cerca de 30 quilômetros de Palmeiras dos Índios, local em que foi ambientado o enredo da obra. Com uma fotografia preta e branca o filme representa com fidelidade a saga da família de Fabiano. Mesmo que seja uma produção pautada no cinema, ela acaba dialogando de forma verossímil com o romance de Graciliano Ramos.
Um dos argumentos contundentes dentro das narrativas de Vidas Secas é que todo o espaço fílmico é pelo viés dos personagens centrais. O recurso de utilizar no processo da montagem das cenas “slow-ups” (câmera lenta), principalmente nas cenas de abertura dos filmes, talha o sentimento que perpassa os limites da projeção e explodem no peito do expectador. Principalmente na caminhada da família de Vidas Secas, na qual a ausência de som é apenas preenchida pelo atrito dos pés no solo seco.
A narratividade de Vidas Secas é conduzida pelo viés de Fabiano faz das cenas sempre um reflexo das andanças do sertanejo. Mesmo nos diálogos escassos, como a própria vegetação do sertão alagoano, o foco sempre é do pai de família.
A opção de deixar a narrativa ser conduzida pelo personagem de Fabiano, denota a ideia dos seus conflitos. Desde o começo da película, temos um sertanejo que alastra todo seu sentimento aos outros, inclusive aos pensamentos oniscientes da cadela Baleia. As condições explicitadas por Nelson Pereira dos Santos são sumárias, a exposição conflitante de um homem simples com a teorização da censura, principalmente na jogatina na qual o Soldado Amarelo o enquadra. Como fato denunciante no longa, fica evidente a opção de utilizar Fabiano como um precursor da estética das falas esparsas.
Muitos mais detalhes são perceptiveis no filme, principalmente se olharmos para o espaço fílmico como não uma chegada final, mas sim, uma grande saída, como o é a própria cena final de Vidas Secas.
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